A égua mangalarga Efigênia, de dez anos, provavelmente já passou pela grande aventura de sua vida: uma travessia de 4 mil quilômetros em comitiva desde Andradas (MG) até o Rio São Francisco. Hoje, o animal de pelo castanho brilhoso é um dos que transportam visitantes no novo roteiro de enoturismo da Guaspari, em Espírito Santo do Pinhal, a 190 quilômetros da capital.
Conhecida pela competência na técnica da dupla poda –quando o ciclo da videira é alterado para que a colheita ocorra no inverno, época de pouca chuva na Serra da Mantiqueira–, a premiada vinícola foi a primeira do país a estampar a capa da respeitada revista inglesa Decanter, em outubro do ano passado.
Os primeiros rótulos comerciais da Guaspari foram lançados em 2014 e, hoje, a marca também se destaca pelo enoturismo na bela propriedade, uma antiga fazenda de café do século 19 restaurada para receber visitantes.
Em 2019, foram 5.500 pessoas, número considerável para o gênero na Serra da Mantiqueira, mas bem menor que o de gigantes da Serra Gaúcha (a Miolo, por exemplo, chega a receber 200 mil pessoas por ano).
Por causa da pandemia, as visitas na Guaspari só foram retomadas em abril deste ano. E foi em outubro que a vinícola lançou o passeio Guaspari a Cavalo, que percorre parte dos 50 hectares de vinhedos em cerca de duas horas e meia.
O roteiro, para grupos de cinco a oito visitantes a R$ 690 por pessoa, ocorre às quintas-feiras e termina com a degustação de três rótulos.
Na visita da reportagem, em meados de outubro, foram servidos o Vista do Bosque Viognier, o Vista do Lago Chardonnay e o Vista da Serra Syrah, todos safra 2018 –a uva syrah é a estrela do vinhedo, com algumas safras laureadas fora do país, caso do Guaspari Syrah Vista do Chá 2012, medalha de ouro na premiação Decanter World Wine Awards 2016.
Assim como Efigênia, as mangalargas Lady, Nuvem, Indiana e Duquesa vivem no Rancho Bela Vista, na vizinha Andradas, parceira da Guaspari. O dono, Luís Opice, é ex-presidente da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos da raça mangalarga e cria os equinos há mais de 20 anos.
Originária do Brasil, a raça resulta do cruzamento de exemplares da portuguesa alter real, trazida pela corte lusitana no início do século 19, com as éguas da Fazenda Campo Alegre, atual município de Cruzília (MG) –quem conta essa história é o próprio Opice.
“Além da elegância estética, trata-se de uma raça dócil e de fácil montaria para iniciantes”, afirma. Ele ou os funcionários do rancho acompanham o trajeto e ensinam os comandos básicos.
No início, os animais podem parecer agitados para quem não está habituado. “É a vontade de começar a cavalgar”, diz Opice. Assim que começa o passeio, a doma e o temperamento calmo dos equinos ficam evidentes. O uso de chapéu ou boné, filtro solar e roupas confortáveis é altamente recomendável.
Um café da manhã antecede a cavalgada, com expresso produzido a partir de grãos das variedades Acaia, Mundo Novo e Catuaí Vermelho cultivados na fazenda –o terroir da Guaspari serve ainda ao plantio de oliveiras, que já começaram a produzir azeite.
Os cavalos percorrem duas áreas exclusivas e não visitadas nos roteiros a pé: os vinhedos Vista da Vinícola e Vista da Araucária, com bonita paisagem. As explicações sobre o cultivo e a tour pela indústria e pela cave, com barricas de carvalho produzidas e assinadas por toneleiros franceses, ficam por conta de profissionais bem-treinados, muitos moradores da cidade.
Um deles é Adriano de Paulo, 26 anos, na Guaspari há seis. “Comecei na lavoura do vinhedo e, com o tempo, a empresa me deu oportunidade. Também passei pela indústria antes de ir para área comercial e de enoturismo”, conta.
Percorrer vinhedos a cavalo é incipiente no Brasil e até mesmo em regiões produtoras tradicionais ao redor do mundo. A mineira Luiz Porto Vinhos Finos chegou a promover passeios no vinhedo de Cordislândia, mas está se mudando para Tiradentes sem previsão de retomar as visitas com equinos.
No Vale do Maipo, a 30 quilômetros de Santiago, no Chile, a vinícola familiar norueguesa Odfjell cria pôneis do fiorde e organiza passeios com os animais.
De origem siberiana e considerada uma das raças mais puras e antigas do mundo, os cavalos teriam mantido uma faixa preta na ponta da crina branca desde a última Era do Gelo, há 20 mil anos.
Os primeiros equinos chegaram à vinícola em 1987. Hoje, os 26 exemplares contribuem ativamente com a produção, que é orgânica e biodinâmica, por meio do controle de ervas daninhas, do arejamento do solo quando cavalgam, da adubação orgânica e do transporte das uvas.
Nos últimos anos, eles também têm transportado visitantes em passeios pelo vinhedo que terminam com degustação (eles devem ser retomados no verão).
No Velho Mundo, a portuguesa Fiuza & Bright tem um roteiro que inclui a visita à adega, grafitada por artistas locais, em Almeirim, a 100 quilômetros de Lisboa. O pacote inclui almoço com degustação de dois rótulos e um passeio a cavalo, em circuito fechado fora do vinhedo.
Vinícola Guaspari
R. Pedro Ferrari, 300 (Parque do Lago)
Espírito Santo do Pinhal (SP)
E-commerce: https://loja.vinicolaguaspari.com.br/
Reservas: [email protected], (19) 3661-9190
Odfjell
Site: www.odfjellvineyards.cl
Reservas: [email protected]
Fiuza & Bright
Site: https://www.fiuzabrightpt.com/
Reservas: [email protected]
A repórter viajou a convite da Vinícola Guaspari.
Fonte: Folha de S.Paulo