Nova campanha ‘Nós

“É péssimo!”, escreveu alguém.”Se acontecer um tumulto em Nova York, vai ser por causa disso”, escreveu outra pessoa. Ainda outro comentário afirmou: “Esse é literalmente o pior design que já vi”.

Horas depois de o novo logotipo “We ♥ NYC” ser divulgado no fim deste mês, a reação no Twitter e em outras redes sociais não foi só negativa, como brutal.

O design faz parte de uma campanha cujo objetivo é que “deixar para trás as divisões e a negatividade” que acompanharam a pandemia, segundo Kathryn Wylde, presidente-executiva e do conselho da Partnership for New York City.

O novo logotipo se inspira no logotipo original “Eu ♥ NY”, desenhado por Milton Glaser para uma campanha publicitária de 1977 cujo objetivo era promover o turismo no estado de Nova York.

Na época, o estado estava enfrentando uma crise econômica, com níveis elevados de desemprego. Os comerciais e a publicidade em mídia impressa da campanha “Eu ♥ NY” destacavam a natureza e a cultura no estado de Nova York, das Cataratas de Niágara ao teatro da Broadway, e encorajavam o turismo e as viagens de férias.

A nova campanha é dirigida especificamente à cidade de Nova York –o que explica o acréscimo do C— e Graham Clifford, o diretor de arte que supervisionou a criação do novo logotipo, disse que a ideia era “desenvolver uma visão mais moderna” da velha ideia.

Clifford utilizou uma fonte adaptada daquela que é usada na sinalização do metrô nova-iorquino, segundo afirmou ao repórter James Barron, do The New York Times. “O sistema de metrô funciona como as veias ou como o coração da cidade”, disse, acrescentando que “lá você encontra sujeitos de Wall Street sentados ao lado de pedreiros. É um lugar onde todos os tipos de pessoas se unem, e nós reconhecemos esse fato”.

Uma intenção admirável, com certeza. No entanto, o design em si despertou raiva em muita gente.

Rafi Schwartz, escritor e um dos donos do Discourse Blog, foi sucinto, mas filosófico, e escreveu que “isso é uma porcaria em todos os níveis concebíveis, e também em alguns níveis que existem para além da percepção humana”.

Será que o problema é a fonte sem serifa? Ou o fato de os caracteres parecerem empilhados e não se alinharem bem? Ou terá sido o sombreamento do coração com o objetivo de criar uma ilusão de que ele é tridimensional? Ou o fato de que o coração parece flutuar tanto para a direita quanto acima do texto? Ou… tudo isso junto?

The Kid Mero, comediante, comentarista cultural e apresentador de TV e de podcasts nascido em Washington Heights e criado no Bronx, considera a geometria perturbadora.

Quando ele era “um grafiteiro mirim”, em sua descrição, costumava acrescentar um “E” supérfluo no final do nome Mero apenas por simetria, e por isso “o desequilíbrio do logo” o confunde. “Não vou ao Pratt [instituto de design], não conheço a terminologia, mas o logo não parece totalmente desbalanceado?”

Tag Hartman-Simkins, morador de Brooklyn e diretor de design da Futurism.com, escreveu no Twitter que o design tinha ficado “soterrado sob o feedback”.

Contatado por e-mail, Hartman-Simkins acrescentou que “não consigo imaginar que qualquer pessoa com formação em design gráfico tivesse criado aquilo sem que um comitê de políticos engomadinhos decidisse lixar as arestas do desenho até sentir que ele era seguro para consumo público”.

Nem todo mundo odeia o novo design. O escritor Michael Musto, nascido em Nova York e um observador afiado, reagiu ao logotipo erguendo um polegar.

“Mesmo nos seus piores momentos, Nova York é melhor do que qualquer outro lugar”, ele disse. “Sou um verdadeiro nova-iorquino, vivi aqui minha vida inteira e nunca vou sair da cidade, e por isso sou a favor de qualquer afirmação coletiva, e gosto da ideia de usar a fonte do metrô. E não há como ser mais inclusivo do que aquele ‘nós’”.

Algumas pessoas estavam menos preocupadas com o design e mais interessadas naquilo que a cidade tinha decidido transformar em prioridade.

Em resposta a um post no Twitter sobre o novo logotipo, Ah-Niyah Gold, que nasceu e cresceu em Nova York e é proprietária de uma agência de relações públicas, escreveu: “Será que não deveríamos nos preocupar mais com a questão dos aluguéis?”, em uma referência à crise que a cidade enfrenta na área de habitação.

Também houve pessoas que decidiram resolver o assunto por conta própria.

Mary Wagner, redatora, diretora de arte e estrategista de mídia social que mora em Brooklyn, criou uma versão repaginada “muito rápida” do novo logotipo, na qual a palavra “Nós” é substituída por “RATOS”.

Contatada por mensagem no Twitter, ela disse que as lojas de roupas New York or Nowhere e OnlyNY “são exemplos de marcas que estão criando visuais identificados com a cidade de Nova York de uma forma que não envergonha quem vive na cidade”.

Ryan McGinness, artista plástico cujo trabalho é influenciado por logotipos, tipografia e pictogramas, também decidiu recriar o logotipo —e se inspirou diretamente em Milton Glaser, que morreu em 2020.

“Em vez de odiar o trabalho de outra pessoa (e acho que há muito a odiar no novo logotipo ‘We Love NYC’), decidi aceitar pessoalmente o desafio de criar o que acredito ser uma solução melhor”, ele escreveu em uma mensagem. “O logotipo original não estava danificado, e portanto não precisava de conserto. No lugar disso, vamos construir um novo com base nele”.

McGinness disponibilizou sua versão do logotipo a Nova York gratuitamente, com uma citação atrevida de “Seinfeld”: “Pode ficar com ele, NYC. Não quero receber coisa alguma pelo trabalho. OK, talvez um jantar no Mendy’s. Mas uma sopa e um sanduíche não contam como refeição!”

A artista plástica Marilyn Minter, que vive em Nova York desde 1976, escolheu não se deter na estética do novo logotipo, em uma mensagem de email, e em lugar disso prefere redirecionar sua energia à cidade. “Sou a favor de qualquer coisa que una os nova-iorquinos”, ela escreveu. “Acredito que a cidade é um lugar especial”.

E o logotipo inspirou camaradagem e união nas centenas de pessoas que recorreram ao Twitter para dizer que o odiaram. Ainda assim, Minter foi diplomática: “Esta é uma grande cidade, que está tentando se tornar ainda melhor. Eu ♥ Nyc”.

Fonte: Folha de S.Paulo

Marcações: