Os segredos sujos que as embalagens de comida escondem

Quando viajo para outros países, adoro me enfiar em supermercados, mercados, minimercados, empórios, vendas, armazéns e lojas de conveniência para conhecer a variedade local de comidas.

Diversão de gordo? Sim, mas prefiro botar na conta da curiosidade que move a investigação jornalística.

No começo do ano, antes da chegada da pandemia, estive no Uruguai. Nas lojas de posto de gasolina, a oferta de salgadinhos, biscoitos, chocolates e tranqueiras industriais diversas é bastante semelhante à nossa.

Muitas vezes são os mesmos produtos –fabricados por corporações transnacionais para toda a América do Sul. Mas as embalagens têm uma diferença gritante: triângulos com alertas para altos teores de sódio, gorduras saturadas e açúcar.

Acontece há tempos nos maços de cigarros. De cara, achei exagerado. Óbvio que essas guloseimas são um amontoado de sal, açúcar e gordura. Depois entendi.

O que parece óbvio para mim pode não ser para outras pessoas. Estou numa condição peculiar: além do privilégio de ter recebido uma educação razoável, desenvolvi interesse específico por assuntos relacionados à alimentação.

A maioria das pessoas cai lindamente no conto que a indústria alimentícia aplica. Nas embalagens que descrevem delícias cremosas, docinhas, crocantes e radicais –não raro, com adição de vitaminas top. Vem daí a urgência em se mudar a rotulagem brasileira para proteger a saúde da população.

Está marcada para a próxima quarta-feira, dia 6, uma reunião da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para discutir o tema. Em pauta, uma velha demanda pela adoção dos triângulos de advertência nos alimentos ultraprocessados. Eles já carimbam os porcaritos no Uruguai, Chile, Peru e México.

O modelo dos triângulos foi apresentado em 2017 pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), em parceria com pesquisadores de design da informação da UFPR. Hoje, a proposta é bandeira da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável –uma coalizão de núcleos universitários, conselhos de nutricionistas, ONGs e o próprio Idec.

Pesquisas mostram que, com os triângulos de alerta, cerca de 80% dos consumidores se dão conta da tralha que estão levando. Ainda sobram 20% na alienação completa –prova de que a obviedade é uma ilusão.

Os triângulos não vão impedir outros absurdos, como a pizza congelada que se declara artesanal ou o pão de forma que estampa uma “fermentação natural” gigantesca no pacote. São um bom avanço, porém.

Mais: todo produto que tiver o triângulo será impedido de fazer ações publicitárias dirigidas ao público infantil. Nada de brinquedinhos para chantagear pais cansados no caixa do mercado.

O cenário desfavorece a implantação de medidas assim. Temos um governo que abriu as porteiras para as hordas do capitalismo sem limites, irresponsável e insustentável.

Dar murro em ponta de faca é o que nos resta. A alternativa é nos deixar levar mansamente para o abismo.

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Fonte: Folha de S.Paulo