Para adular indústria, governo sabota alimentação dos brasileiros

Peço desculpas antecipadas pelo tom sério e duro do texto de hoje. Não dá para brincar quando se está sob ataque.

A máquina bolsonarista de desmonte civilizatório chegou à alimentação. O Ministério da Agricultura solicitou a retirada, para “ampla revisão”, do “Guia Alimentar para a População Brasileira” –publicação de 2014 do Ministério da Saúde.

A pasta de Tereza Cristina quer a remoção da classificação dos alimentos nas categorias in natura, processados e ultraprocessados. O consumo dos últimos –artigos industrializados como macarrão instantâneo e margarina– é desaconselhado pelo “Guia”.

A publicação foi elaborada pelo Nupens –Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde–, da USP, que reúne os melhores pesquisadores da área no país. O guia alimentar brasileiro é exemplo de excelência para a ONU e autoridades sanitárias de países como Canadá e França.

O “Guia” não tem força de lei. Ele é tão-somente uma cartilha de diretrizes para a boa alimentação, um documento construído com rigor científico e disponível, gratuitamente, para qualquer pessoa com acesso à internet.

Aliás, você pode baixar o guia aqui.

O download é feito de um site do governo federal: aí mora o ódio das hostes de Bolsonaro.

O “Guia” foi publicado na gestão Dilma Rousseff. Embora só trate de comida, seu conteúdo reflete pensamento e atitude dominantes na elite intelectual, que vive uma relação de rancor e ódio com atuais ocupantes do poder.

Bolsonaro e seus trogloditas almejam eliminar os vestígios dos antecessores na máquina federal. Nem que para isso precisem dar comida envenenada para as próprias famílias.

Numa metáfora já batida: Bolsonaro é o Talibã; o “Guia”, os Budas de Bamiã. O presidente implode o patrimônio da nação na tentativa de reescrever a história a seu modo, com garranchos e vocabulário limitado a “isso aí”.

Outro incômodo do “Guia” é a abordagem pouco lisonjeira dos alimentos ultraprocessados –que a Agricultura interpretou como um “ataque sem justificativa à industrialização”.

O trigo é o alimento in natura. A farinha é minimamente processada. Em casa ou numa boa padaria, é possível fazer pão apenas com farinha, água, fermento e sal. O pão de forma Artesano, da Bimbo, leva ainda estes componentes: óleo de soja, glúten, monoglicerídeos e diglicerídeos de ácidos graxos, estearoil-2-lactil lactato de cálcio, polisorbato 80, propionato de cálcio, ácido sórbico, fosfato monocálcico, cloreto de amônio, ácido ascórbico, ácido cítrico e carboximetilcelulose sódica.

É típica dos ultraprocessados a presença de substâncias estranhas à cozinha doméstica. Elas estão lá para diminuir custos, para aumentar o lucro. Para favorecer a indústria, não você. Assim como a ministra da Agricultura e o resto do bando que tomou Brasília.

A boa notícia é que, apesar do estrago inegável, essa gente não tem competência para reescrever coisa nenhuma. Se sair do site do governo, o “Guia” sobreviverá em mil outras plataformas gratuitas.

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Fonte: Folha de S.Paulo