Pequenos museus nos fazem lembrar como o mundo é grande

O biombo é grande –não sou bom nesses cálculos, mas deve ter uns cinco metros nos seus seis painéis. Figuras “estranhas” se misturam aos personagens japoneses: justamente os bizarros portugueses que ao Japão chegavam, lá representados com os olhos improvavelmente puxados.


O encontro aconteceu mais ou menos quatro décadas depois de os próprios portugueses terem chegado aqui ao nosso pedaço. E lamentei que os nativos da “terra brasilis” não tivessem ainda uma cultura sofisticada a ponto de registrar uma cena parecida com aquela na ilha de Tanegashima.


Enquanto me perdia em fantasias históricas, olho em volta e percebo que estou sozinho na grande sala do Museu do Oriente, um dos meus favoritos em Lisboa, aliás, no mundo. A amiga que tinha lá entrado comigo logo pela manhã já estava perdida em outro canto das suas instalações. Era como se eu tivesse o museu só para mim.


Lembrei-me de quando morava em Nova York, exatos 30 anos atrás, e o Metropolitan Museum não cobrava uma pequena fortuna para a visita. A tarifa era apenas “sugerida”, e, se você colocasse uma moeda de 50 centavos de dólar, a pessoa na bilheteria até fazia cara feia, mas era obrigada a te dar um passe para o dia todo.




Eu era um correspondente júnior desta Folha –e meu o orçamento, bem curto. Qualquer economia era bem-vinda. E eu tinha uma mania de chegar ao museu bem cedo, colocar minha moeda no balcão, pegar meu ingresso e correr para a sala onde fica o incrível templo de Dendur, erguido dez séculos antes do nascimento de Cristo, em adoração a Ísis e Osíris, e tragicamente tirado do Egito para adornar um dos espaços mais lindos de Nova York.


Apropriações culturais à parte, eu me transportava no tempo diante dele –pelo menos até chegar o segundo visitante da manhã (e depois o terceiro, o quarto, o quinto). 


Era uma sensação maravilhosa e rara, especialmente no monumental Metropolitan. E é para vivê-la mais vezes que eu busco, com tanta dedicação, museus menores pelo mundo.


Como o Museu da Inocência, em Istambul, onde o grande escritor turco Orhan Pamuk montou espaços preciosos de memórias da cidade, que ele usa como cenário para seu livro que tem o mesmo nome. 


Ou a pequeniníssima Serpentine Gallery, em Londres, que não chega a ser um museu, já que não tem acervo, mas é o espaço de arte onde mais descobri coisas novas e surpreendentes, desde os filmes da iraniana Shirin Neshat até as maquetes transparentes do coreano Do Ho Suh.




Já escrevi neste espaço mesmo sobre a modesta casa de Frida Kahlo, na Cidade do México, La Casa Azul, que o que não tem em espaço tem em profundidade. 


Em Buenos Aires, nunca deixo de ir à Fundação Proa, uma bem-vinda “aberração” contemporânea do tradicional bairro de Caminito. Jamais me decepcionei com as exposições que lá encontrei. 


E em Paris, claro, há o fascinante Museu Guimet, que fica bem em frente à estação Iéna, com sua estupenda coleção de arte do Oriente.


Que me traz de volta então a Lisboa, ao museu também do Oriente, onde ainda estou a admirar o tal biombo japonês. Minha amiga definitivamente perdeu-se em outra galeria, talvez conferindo um por um os inúmeros vidrinhos de rapé, em seus minúsculos detalhes.


As lembranças que tenho agora são da minha primeira visita ao Museu do Oriente, anos atrás, quando vi uma mostra de figuras de teatro de sombras da Índia, do Camboja, do Vietnã, da Turquia, da China. E celebrei com um discreto sorriso o poder que a intimidade que só um museu pequeno pode estabelecer entre nossa própria experiência de vida e a arte. 


Talvez você não encontre o Museu do Oriente nos principais roteiros turísticos da capital portuguesa. Todos os museus menores tendem a ficar de fora dos guias mais superficiais de uma cidade. 


Mas eu sugiro que você vá atrás deles. Não há lugar melhor para nos lembrar que nós, que nos achamos tão especiais, somos na verdade muito pequenos diante da grandeza que é este mundo.


Fonte: Folha de S.Paulo