Quem ganha dinheiro com os preços absurdos da comida

Bem-vindos ao maravilhoso mundo de 2021! Como não teremos Carnaval, o primeiro dia útil do ano chega rasgando, ardendo, queimando, logo no comecinho de janeiro.

Chega junto com ele a ressaca moral pelos excessos das festas de fim de ano. Não me refiro às aglomerações nas festinhas, não, não! Sei que tenho leitores qualificados.

Falo dos gastos irresponsáveis com comidas absurdamente caras. Cerejas a R$ 100 o quilo. Pistache, mais do que o dobro disso! Na mesma tungada, digo, toada: tâmaras, nozes, macadâmias, bacalhau, talvez até umas fatias de presunto cru espanhol.

Hoje é o dia de quitar os primeiros boletos. De agendar IPTU, IPVA, de pagar o aumento criminoso dos planos de saúde. De repor a despensa, de voltar ao arroz com feijão, às comidas normaizinhas, mais suaves com o bolso… não. Hoje é o dia de perceber que tudo está ridiculamente caro no mercado e no hortifruti. O ano de 2021 será de luta para encher o prato de comida.

Desculpem-me o monotema, mas pressinto algo trágico para os próximos meses –e não só as mortes e a depressão relacionadas à pandemia. A inflação dos alimentos está fora de controle. É algo que ainda não explodiu por causa do auxílio emergencial e do turbilhão de sandices oficiais, que rouba a atenção da imprensa, dia após dia.

Eu queria saber exatamente o que está acontecendo e, muito importante, quem ganha com isso. Porque sempre que alguém perde, alguém ganha na outra ponta. Quase o Brasil todo está a perder, donde se conclui que o ganho de meia dúzia de pessoas é gigantesco.

Conversei com um amigo de escola que calha de ser especialista em commodities –calha também de ser funcionário público federal, então não o exporei aqui. Ele me explicou didaticamente o macabro mecanismo da alta dos alimentos.

O princípio de tudo está na alta do dólar. A situação cambial eleva automaticamente o preço do macarrão italiano, do vinho português, do aceto balsâmico e do sorvete Häagen-Dasz. Golpe profundo na cesta básica da classe média gourmet, que desde os tempos de Collor consome importados como se fossem farinha.

Produtos básicos que dependem de insumos importados –como pão, cerveja e chocolate–, sobem de carona.

Não acaba aí.

Com o real depreciado, o produtor brasileiro de commodities leva vantagem no mercado externo. Soja, milho, arroz, açúcar, carne e suco de laranja, entre outros produtos, colocam mais reais no bolso de quem produz e de quem exporta. Isso eleva o preço nas praças domésticas, pois o produtor rural não faz caridade e quer receber o mesmo valor de todos os fregueses.

A cesta básica inteira fica mais cara.

E tem ainda a alta de comidas que não são importadas nem exportadas. Como explicar?

Pegue o exemplo dos laticínios. O cara tem umas vaquinhas e precisa alimentá-las. O que vaca come? Soja e milho, além do pasto. O preço da ração impacta o preço do leite, que impacta o preço do queijo, que impacta o preço da pizza, já impactado pelo preço da farinha. Assim nasce a pizza de muçarela a R$ 100.

O efeito na carne é ainda pior: a pressão é dupla, vinda da demanda externa e do preço da ração. Se há algo que possa fazer o vegetarianismo vingar neste país, é o preço impossível, impagável, da carne. As corporações já perceberam isso –não é por hipsterismo ou bondade pura do coração que elas estão desenvolvendo produtos veganos.

Falando nessas empresas, voltemos ao título deste artigo: quem ganha dinheiro com os preços absurdos da comida?

Grandes produtores rurais –nomes desconhecidos do público– e as corporações que compram deles para exportar. Cargill, JBS, Cutrale, BRF, Bunge, Marfrig, só capital grosso.

E o que poderia ser feito sem recorrer a tabelamento, congelamento e outras intervenções inócuas?

Voltemos ao estopim de tudo: a desvalorização do real. Nossa moeda é uma campeã global de perda de valor em relação ao dólar. E isso acontece porque o capital estrangeiro foge do país, devido ao cabaré da política de Jair Bolsonaro.

O preço da comida só vai baixar quando o dólar baixar, mas isso não interessa aos poderosos de plantão. Eles e os amiguinhos do agronegócio estão muito bem, obrigado.

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Fonte: Folha de S.Paulo