Trio de irmãs indígenas promove turismo em reserva no sul da Bahia

A pouco mais de 12 quilômetros do centro de Porto Seguro, na Bahia, as três irmãs Nitynawã, Jandaya e Nayara Pataxó transformaram a aldeia em que vivem em um local não só de resistência, mas também de preservação e difusão da cultura do seu povo.

Na reserva indígena pataxó da Jaqueira vivem cerca de 30 famílias dessa etnia. É lá que os turistas são recebidos para uma imersão cultural em que podem aprender desde a história dos pataxós até provarem o peixe assado na folha de taioba.

“A reserva foi criada para que pudéssemos mostrar que somos, nascemos e morreremos pataxós. O etnoturismo nos ajuda muito, inclusive a lutar pelos nossos direitos”, conta Nitynawã.

Segundo ela, hoje são as mulheres que tomam as decisões. “Essa construção não foi um processo fácil. No início, nem as autoridades indígenas aceitavam uma aldeia matriarcal, mas mostramos a nossa força e mudamos essa realidade.”

A área de mata atlântica de 827 hectares onde fica a reserva estava sendo explorada irregularmente para a retirada de madeira em 1997, quando as três irmãs resolveram parar a vida nômade que levavam e fixaram moradia por lá.

As três são filhas da indígena Taquara, 103, sobrevivente de um ataque que aconteceu em 1951 em outra aldeia de Porto Seguro, a Barra Velha, e que causou a dispersão do povo pataxó pelo sul da Bahia. Por conta disso, por muitos anos, a família viveu nas matas de Porto Seguro.

Depois de conseguirem a regularização das terras, em 1998, elas tiveram a ideia de desenvolver um projeto de etnoturismo, que deu origem ao Instituto Pataxó da Jaqueira.

Nos últimos anos, o foco do instituto é oferecer um tipo de turismo que permite aos visitantes não só conhecer o espaço, mas aprender sobre a etnia.

O primeiro passo do projeto começou com Nayara e Jandaya que, com a ajuda de outros indígenas, conseguiram traduzir os cantos e demais rituais do português para o patxohã, o idioma pataxó. Hoje, mais de 6.000 palavras nessa língua já foram catalogadas.

Já na entrada da reserva, os turistas são recepcionados por indígenas que começam a contar a história de seu povo. Antes de chegarem até os kijemes, as casas construídas com taipa e barro onde moram as famílias, os visitantes passam por uma área de mata atlântica e são apresentados a espécies como o pau-brasil, a amescla e a imbiriba.

A caminhada pela trilha da Lagoa Seca, em que indígenas acompanham os grupos usando adereços sagrados, já dá início à imersão.

Sentados em roda, dentro dos espaços comunitários, os turistas assistem e participam de rituais de dança e também ouvem histórias contadas por lideranças indígenas.

Além das três irmãs, a cultura indígena pataxó também é compartilhada por outras lideranças jovens, como o influenciador digital da reserva, Suhyasun Pataxó, 26.

“As nossas histórias estão vivas. Os nossos adereços representam a luta que nossos anciãos enfrentaram todos os dias. O cocar não é uma fantasia, ele representa toda a hierarquia de um povo”, afirma Suhyasun.

Licenciado em química, o indígena pesquisou na universidade sobre as espécies de amescla da reserva e as potencialidades de seu uso sustentável. O emprego dessa e outras plantas é algo que o pajé Imburé, 76, que prepara chás e benze os visitantes, também conhece bem.

“Cresci aprendendo de tudo sobre a mata e o que ela pode ajudar na saúde física e espiritual do meu povo”, conta o pajé. “Quando recebemos os visitantes, procuramos dividir com eles esse conhecimento, para que aprendam sobre as ervas, os chás, as sementes, mas também para que descubram que é muito importante cuidar da natureza assim como ela cuida de todos nós.”

Há cerca de dois anos, a reserva contou com a construção de mais kijemes. Dessa vez não foi para receber novas famílias indígenas, e sim para que turistas possam passar mais dias no local. Por conta disso, atualmente é possível passar desde algumas horas até semanas na reserva.

Aliás, é possível participar até de uma cerimônia kãdemãvey, o casamento indígena. Mas, para quem quiser casar lá, há regras especiais.

Os envolvidos precisam passar por vários preparativos, entre eles uma prova em que o noivo precisa carregar um tronco com o mesmo peso da noiva. Se ele derrubar o tronco, não casa.

Nitynawã, uma das irmãs, se recorda de dias de fome, em que três ovos eram o único alimento. “Era o que tínhamos, mas não queríamos dar o braço a torcer. E olha tudo o que construímos. Eu choro, fico emocionada pensando que, hoje, temos uma escola com o nosso idioma aqui dentro e que 25 jovens da nossa aldeia têm ensino superior.”

Fonte: Folha de S.Paulo