Uma outra maneira de redescobrir o que mostram os mapas

Há um momento na vida de certos viajantes, mais ou menos depois da terceira ou quarta volta ao mundo, em que surge a pergunta: e agora, para onde vou? Tudo que temos por enquanto é esse estranho corpo celeste azul, mas se eu já conheço quase tudo dele, para onde eu vou?

Erika Fatland tem uma boa resposta para esse dilema: tente ver essas fronteiras de outra maneira, digamos, além dos mapas. Ou ainda, sugere ela com seus livros, olhe bem para os mapas… e pense numa maneira de redescobrir o que eles te mostram.

A Fronteira” (editora Âyiné) é o segundo livro de Erika lançado no Brasil. Sou seu fã desde que li “Sovietistão“, lançado pela mesma editora em 2021, quando tive a chance de conversar com ela, virtualmente, pois assim eram os tempos.

No início deste mês, durante uma rápida escala em São Paulo, tive a chance de conversar com ela numa noite de autógrafos na livraria Megafauna. Erika não veio ao Brasil especificamente para esse evento (mais sobre sua missão por aqui daqui a pouco), mas eu fiz questão de encontrar alguém capaz de me inspirar tanto a rever nossas andanças pelo mundo.

No seu mais recente trabalho traduzido para o português, Erika visita os países que fazem fronteira com a Rússia. Isso inclui, claro, a Noruega, onde nasceu, ponto final dessa jornada que começou na Coreia do Norte.

Tecnicamente, ela parte do estreito de Bering, a pequena faixa de mar que separa Rússia e Estados Unidos. Lá, ela embarca num cruzeiro inóspito para viajantes que “já viram tudo no mundo”, alguns tão velhos que a autora duvida da capacidade física deles de enfrentar as intempéries da aventura.

Seus experientes companheiros de bordo só falam de suas conquistas geográficas, algo que assusta e fascina Erika, além de cutucar leitores de pés inquietos (sim, nós) em questões mais filosóficas sobre o porquê de a gente querer sempre viajar.

Erika não conhece nem metade dos países do mundo, mas não é difícil identificar nela a inquietação de quem coleciona carimbos no passaporte ou, na versão mais moderna, bandeirinhas no perfil de Instagram. E é com essa curiosidade insaciável que ela define seus itinerários.

“A Fronteira” —como “Sovietistão”, no qual ela visita os países da antiga União Soviética—, é fascinante não pelo exotismo superficial dos roteiros, mas pela força das pessoas com quem Erika cruza. Driblando as dificuldades de uma mulher viajando sozinha para lugares às vezes hostis a esse tipo de turista, ela encontra maravilhosas histórias humanas pelo caminho.

Os países e as culturas que ela nos apresenta surgem vivos na nossa imaginação não pela descrição das paisagens (muitas vezes incríveis) ou dos monumentos (muitas vezes bizarros), mas pela história oral de quem nasceu e cresceu naqueles lugares. E nunca saiu de lá.

Um outro livro seu, ainda inédito no Brasil, chama-se “Høyt”, algo como “nas alturas”, sobre os países cortados pelos Himalaias: Paquistão, Índia, Butão, Nepal e China. E, no seu próximo projeto, que a trouxe ao Brasil, ela vai escrever sobre o antigo império português.

Quando estive com Erika não resisti à tentação de contar a ela que eu mesmo já tinha feito algo parecido quando, em 1999, visitei para o “Fantástico” todos os países onde se fala (ou um dia já se falou) português.

Seu foco passando pelos mesmos lugares que visitei há mais de 20 anos é outro, mas o “espírito da viagem” é o mesmo: recortar a Terra para provar se o velho e cansado planeta ainda pode nos surpreender.

As possibilidades, Erika e eu chegamos à conclusão, são infinitas.

Fonte: Folha de S.Paulo

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