Vivendo a história em hotéis de Londres

Já escrevi aqui sobre visitar um hotel histórico —o The Algonquin, em Nova York— e a decepção de encontrar o lugar renovado, mas destituído de sua alma e sua bela história.

Agora busquei repetir a dose em Londres. A canícula (40 graus centígrados) me fazia rir, nervoso, do embuste bolsominion da terra plana sem emergência climática. E, em paralelo às atividades da premiação do World’s 50 Best Restaurants, que me levou à cidade, busquei novamente locais históricos para pesquisar como sobrevive o passado, na prática.

Estive no hotel The Dorchester, que mantém sua majestade (e seus preços que não suportaria se não fosse convidado) e seu brilho gastronômico, do qual falarei depois. Se o quarto e o gentil serviço —que nem parece ser ritual— seguem impecáveis, esbarrei com o andar térreo em plenas obras.

A entrada mal parece improvisada… menos para quem conheceu aquele lobby deslumbrante: lembro a dor de visitá-lo após ficar proibido fumar ali, um lugar que era tanto uma antessala perfeita para um pudico chá da tarde quanto o cenário indispensável para um charuto pecaminoso.

Daquelas experiências banais para o um por cento, mas especiais para quem, independente de ter dinheiro, acredita que qualquer ser humano (excluam-se, portanto, os fascistas) merece o melhor da vida.

Além do The Dorchester –cujo lobby prometo tentar conferir quando estiver pronto—, também passei por outro hotel até bem mais antigo, e com reforma concluída: o Brown’s.

“Hotel antigo” não descreve bem o Brown’s. Primeiro porque, segundo eles, é o mais antigo de Londres (nasceu em 1837 e é cheio de história, claro, tipo sediar a primeira chamada de telefone da história, feita pelo inventor Alexander Graham Bell).

E, segundo, porque “antigo” pode sugerir um lugar velho, ultrapassado. E eis que, uns quinze anos depois de ter ali ficado uma única vez, e de tê-lo achado meio… velho, reencontrei um lugar cheio de vigor.

Parece que isto tem a ver com o grupo que o adquiriu, uma cadeia internacional, mas pequena, chamada Roccoforte.

Interessante que o andar térreo não tem um lobby monumental. Vai ver não era a regra há 185 anos. A entrada é quase modesta, um corredor com saídas laterais —à esquerda fica o restaurante, à direita, o salão do chá da tarde, e, ao fundo deste, o bar Donovan, uma joia de ambiente e de coquetelaria que descobri com prazer.

O quarto, além de confortável e sóbrio (senão cansa e dá pesadelos), tinha o que minimamente se espera de um lugar com esta tradição e preço —como um sofá (odeio ler ou ver TV jazendo na cama) e bidê no banheiro (higiene é o mínimo a esperar).

Se os criativos drinques do bar foram uma maravilhosa surpresa, o restaurante Charlie’s –com decoração ainda meio pesada, mas belo conforto e serviço— me trouxe a alegria de encontrar, atualizada, a velha cozinha inglesa.

Do tipo: o carrinho com o assado do dia (no meu dia, contrafilé inteiro, com o indispensável Yorkshire pudding e batatas assadas em gordura de pato).

Continuo gostando de, em viagem, ficar em casas onde tenhamos cozinha, moda que eu cultivava mesmo antes de existirem aplicativos tipo Airbnb. E, se é para ficar só quatro dias na cidade, com agenda cheia e sem tempo de cozinhar, busco pequenos hotéis de charme, que cabem no orçamento.

Mas, se tenho a chance de investigar grandes hotéis a trabalho, hoje mergulho na história através deles. O Brown’s reformado foi uma boa escolha. Quanto ao novo lobby do The Dorchester, ainda em obra, já está na minha mira, mesmo tendo, por lei, banido os charutos.

Fonte: Folha de S.Paulo

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