Chapa de Cristina Kirchner ou Macri? Por que as eleições primárias são essenciais para decidir o futuro da Argentina

Cristina Kirchner e Mauricio MacriDireito de imagem AFP
Image caption Cristina Kirchner e Mauricio Macri

Em um clima de polarização eleitoral, os eleitores argentinos irão às urnas, neste domingo, para votar nas Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO). Trata-se da etapa prévia ao primeiro turno da eleição presidencial, no dia 27 de outubro, que tem como principais candidatos, de um lado, o atual presidente argentino Mauricio Macri, que tenta a reeleição e, de outro, Alberto Fernández, cuja candidata a vice é a ex-presidente Cristina Kirchner.

Na prática, as PASO funcionam quase como uma eleição geral, já que todos são obrigados a votar e não necessariamente nos candidatos de uma mesma coalizão. Na hora de entrar no ‘quarto escuro’ (no local onde está a urna de votação), como dizem aqui, o eleitor contará com as boletas de todas as coalizões que estão na corrida eleitoral, como ocorre no primeiro e no segundo turnos. Ele pode votar nos candidatos da mesma frente ou ‘cortar a boleta’, ou seja, fracionar seu voto nos postulantes de coalizões diferentes.

As coalizões partidárias que não conseguirem 1,5% dos votos serão excluídas das próximas etapas eleitorais.

Criadas em 2009, numa tentativa de democratizar o processo de escolha dos candidatos, como explicam analistas, as primárias foram questionadas nesta eleição, já que todas as coalizões partidárias à presidência definiram seus postulantes antes da votação deste domingo.

Foi o caso das principais chapas, como a de Mauricio Macri e seu vice, o senador peronista Miguel Ángel Pichetto, de ‘Juntos por el Cambio’ (Juntos pela Mudança), e a do ex-chefe de Gabinete da Presidência durante o kirchnerismo (2003-2015), Alberto Fernández, que também é peronista, e a ex-presidente e senadora Cristina Kirchner, ‘Frente de Todos’.

“As duas coalizões, a de Macri e a dos Fernández (Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner), reúnem mais de 70% das intenções de voto. E tanto Macri como Cristina têm altos índices de rejeição. Tem gente que vai votar em Macri porque não quer o retorno do kirchnerismo e tem gente que vai votar em Cristina porque não quer a continuidade de Macri”, disse à BBC News Brasil a diretora do Departamento de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires (UBA), Elsa Llenderrozas.

A votação será realizada em meio a uma forte crise econômica, com inflação alta, aumento nos índices de pobreza, queda no consumo e sinais incipientes de recuperação em alguns ramos da economia, a partir da colheita recorde do setor agrícola, definido por economistas como essencial para o país, e a retomada de vendas externas de produtos símbolos como a carne bovina e a conquista de novos mercados de exportações.

O debate eleitoral tem sido pautado pela recessão no governo Macri e a herança econômica do kirchnerismo (2003-2015), que incluiu a falsificação de estatísticas, e as denúncias de corrupção envolvendo Cristina Kirchner, que tem uma série de processos na Justiça, e seus ex-auxiliares diretos, como o ex-vice-presidente Amado Boudou e o ex-ministro do Planejamento, Julio De Vido, que estão presos.

Macri tem criticado o legado do kirchnerismo, enquanto Alberto Fernández e Cristina Kirchner, por outro lado, apontam para a escalada inflacionária e para a degradação social no atual governo.

Para Llenderrozas, “o curioso” é que, apesar da crise econômica, Macri esteja entre os preferidos. “Acho que isto significa que um setor da sociedade está dando prioridade a outras questões”, disse.

Na visão do analista político Jorge Giacobbe, da consultoria Giacobbe e Associados, neste ambiente político polarizado, o índice de abstenção terá um papel fundamental na eleição deste domingo.

“Se a abstenção for mais alta que o esperado, prejudicará a candidatura de Macri, porque os eleitores da chapa de Cristina irão votar chova ou faça sol, influenciando o clima de campanha para o primeiro turno”, disse.

A BBC News Brasil ouviu especialistas sobre a importância das PASO e sobre o cenário eleitoral neste país de pouco mais de 40 milhões de habitantes, com cerca de 33 milhões de eleitores, onde o voto é de papel e a apuração tem duas etapas – uma provisória na noite de domingo e outra definitiva que, em eleições anteriores, levou cerca de quinze dias.

Confira os principais pontos sobre as primárias na Argentina e o ambiente eleitoral:

1. O que se vota

Os argentinos votarão em pré-candidatos de dez chapas eleitorais à presidência. Mas, como todas elas já definiram quem são seus representantes, a eleição está sendo vista como uma espécie de primeiro turno ou uma ampla pesquisa eleitoral, como afirmaram os analistas e consultores políticos Raúl Aragón e Analía del Franco.

Além de votar nos candidatos a presidente e vice, os eleitores votam também nos candidatos a governadores das províncias onde as eleições são realizadas, como a de Buenos Aires, que é a maior do país e tem peso no resultado final. São votados ainda os pré-candidatos a ocupar parte do Senado, deputados federais, deputados provinciais, vereadores e prefeitos, como o da cidade de Buenos Aires.

2. O papel das primárias

As primárias foram questionadas nesta eleição e dividiram opiniões dos analistas.

Para a diretora do Departamento de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires, Elsa Llenderrozas, as primárias continuam sendo importantes no calendário eleitoral argentino. “Elas contribuem para que os partidos e as coalizões se organizem para o primeiro turno e permitem ao eleitor conhecer melhor cada candidato e suas propostas”, disse.

Para a consultora política Analía del Franco, as primárias “movimentam o eleitorado” e “influenciam a participação e o resultado do primeiro e do segundo turno”.

Aragón, no entanto, diz que “as primárias hoje não adiantam nada.”

Nas pesquisas de opinião que realizou, o analista e consultor político Jorge Giacobbe disse que os eleitores mostraram “cansaço” em relação às primárias, já que os principais candidatos já foram definidos e o calendário eleitoral inclui uma espécie de três turnos (primárias, primeiro e segundo turno).

Direito de imagem DANIEL GARCIA/AFP/Getty
Image caption Alberto Fernández chegou a trabalhar na gestão de Cristina, mas renunciou em 2008, pouco mais de um ano depois que ela assumiu

3. A apuração

Ao contrário do Brasil, onde o resultado é conhecido pouco depois do fechamento das urnas, na Argentina a votação e a apuração se parecem com os tempos em que não existiam urnas eletrônicas no território brasileiro.

Os fiscais dos partidos acompanham a apuração dos votos em cada uma das mais de cem mil mesas espalhadas pelas escolas do país. Se estão de acordo com a contagem na mesa, eles assinam uma ata concordando com a contagem. As atas são enviadas ao Correio Argentino onde são computadas para o resultado provisório que deve ser divulgado na noite de domingo.

Neste ano, a realização do escrutínio provisório gerou críticas da oposição e Alberto Fernández chegou a sugerir que poderia haver fraude no resultado. A empresa vencedora da licitação para fazer a contagem rápida foi questionada e os primeiros testes de apuração apresentaram falhas, como informou a imprensa local.

Para autoridades do governo Macri, as acusações são “irresponsáveis”. Para alguns analistas, como o processo eleitoral “não se modernizou”, as “suspeitas” costumam estar presentes nos dias anteriores a votação. O resultado definitivo só deverá ser divulgado dias mais tarde.

4. Pesquisas

Segundo levantamentos de intenção de votos, Alberto Fernández e Cristina Kirchner, da coalizão Frente de Todos, estariam pelo menos 1,5% à frente da chapa formada por Macri e pelo senador peronista Miguel Ángel Pichetto, que já foi aliado de Cristina.

Algumas pesquisas indicam diferença de até 6% a favor da frente kirchnerista. Outras sugerem empate entre as duas chapas, mostrando que esta eleição poderia ser voto a voto.

“Nas pesquisas que realizamos, a chapa Alberto Fernández e Cristina está na frente da coalizão de Macri e Pichetto. Mas de maio para cá, Macri recuperou apoio e o governo tem alimentado este clima de empate, enquanto o lado peronismo-kirchnerismo diz que ganhará”, afirmou o analista Ricardo Rouvier, que há anos realiza pesquisas de intenção de votos.

Pesquisa realizada pela Giacobbe e Associados, quinze dias antes da votação deste domingo, indicou que a diferença entre as duas chapas seria em torno de 1,5% a favor de Fernández e de Cristina.

Outros levantamentos, como o da empresa Synopsis, indicaram votação apertada de 40% para a chapa opositora e 38% para a governista. Aragón, porém, estima cerca de 5% de vantagem para a coalizão da ex-presidente.

As regras eleitorais proíbem a divulgação de pesquisas seis dias antes da votação, o que contribui para o suspense.

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Image caption Macri e a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde: crise cambial empurrou Argentina de volta aos braços do fundo

Para Elsa Llenderrozas, se a chapa de Cristina receber mais de 45% dos votos válidos, será “complicado” para Macri e Pichetto recuperarem terreno no primeiro turno, o que poderia sugerir a vitória da frente opositora kirchnerista.

Na Argentina, para ser eleito presidente, é preciso receber 45% da votação ou 40% e uma vantagem de pelo menos 10% para o segundo colocado, recordou. Para ela, a polarização entre as frentes de Macri e de Cristina acabou reduzindo, nos últimos dias, o total de indecisos. Mas eles também são uma incógnita que pode influenciar no resultado. Pesquisas apontam que os indecisos estariam entre 7% e 10%.

5. Outros candidatos

A polarização entre as chapas de Macri e de Cristina eclipsou outras candidaturas, como a do ex-ministro da Economia do kirchnerismo, Roberto Lavagna.

Desde o início ele tinha se mostrado contrário a disputar as primárias com outras pré-candidaturas de sua coalizão política, como apontam agora ex-aliados. Lavagna, por sua vez, repudiou a “polarização forçada” e, numa clara mensagem aos opositores Cristina e Macri, criticou o estancamento da economia argentina “que já leva oito anos” – quatro anos do segundo mandato da ex-presidente e os quatro anos do mandato macrista.

Para analistas ouvidos pela BBC News Brasil, a disputa está “centrada” entre Macri, de centro-direita, e a chapa de Cristina, de centro-esquerda, e que acabou gerando “desinteresse” pelos candidatos de centro, como o ex-ministro da Economia.

“Lavagna não conseguiu formar uma coalizão de centro e nossas estimativas apontam que ele deverá ter somente cerca de 8% dos votos”, disse Aragón.

6. Como foram as primárias anteriores

Em 2015, a abstenção caiu entre o resultado das primárias e a participação eleitoral no primeiro e no segundo turno, à medida que a polarização entre o então candidato Macri e o candidato da ex-presidente Cristina Kirchner, Daniel Scioli, cresceu.

Em termos de total de votos, Macri perdeu para Scioli nas primárias, mas acabou vencendo a eleição no segundo turno, por margem apertada para Scioli. Entre assessores do governo Macri, existe expectativa de que o cenário possa voltar a se repetir neste ano.

Por isso, Macri fez campanha pedindo que os argentinos compareçam às urnas neste domingo. Para eles, a maior presença de eleitores favoreceria Macri, diminuiria a distância para Fernández e aumentaria suas chances de reeleição.

Na chapa de Cristina, a expectativa é de vitória na votação deste domingo e nas próximas etapas da eleição.

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Fonte: BBC