Como o primeiro-ministro reeleito Narendra Modi reinventou a política na Índia

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Image caption Muitos indianos parecem acreditar que Modi é um messias que vai resolver os seus problemas

Narendra Modi obteve uma enorme vitória nas eleições gerais indianas, garantindo um segundo mandato de cinco anos. O correspondente da BBC na Índia, Soutik Biswas analisa os fatos mais importantes.

1 – A vitória girou em torno, unicamente, de Narendra Modi

O primeiro-ministro da Índia transformou as eleições em uma discussão sobre ele próprio.

A situação era desafiadora. O desemprego está em um patamar recorde, o rendimento de agricultores despencou e a produção industrial declinou.

O resultado das urnas prova que a população não está culpando Narendra Modi por essa situação.

Durante eventos de campanha, o primeiro-ministro afirmou, repetidamente, que precisava de mais do que cinco anos para desfazer “60 anos de falhas de gestão”. Os eleitores concordaram em conceder a Modi mais tempo.

Muitos indianos parecem acreditar que Modi é uma espécie de messias, que irá resolver todos os seus problemas. Uma pesquisa feita pelo Centre for the Study of Developing Societies (CSDS), um think tank baseado em Delhi, um terço dos eleitores do BJP, partido do primeiro-ministro, disse que apoiaria Modi mesmo que ele se candidatasse por outro partido.

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Image caption Modi é o político mais popular da Índia, desde Indira Gandhi

“Isso mostra o quanto os votos foram em Modi, mais do que no partido BJP. A eleição foi sobretudo a respeito da liderança de Modi”, falou Milan Vaishnav, pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington, Estados Unidos.

De certa forma, a segunda vitória de Modi lembra a popularidade de Ronald Reagan como presidente americano, na década de 1980, que conseguiu escapar da culpa pelos problemas econômicos do seu país. Reagan foi chamado de “grande comunicador” e de presidente “teflon”, cujos erros jamais “grudavam” nele. Modi tem uma reputação similar.

Muitos dizem que Modi fez com que as eleições indianas se tornassem mais presidenciais. Mas primeiros-ministros fortes muitas vezes ofuscaram seus partidos – é o caso de Margaret Thatcher e Tony Blair, no Reino Unido, e Indira Gandhi, na Índia.

“Não há dúvida de que Modi é o político indiano mais popular desde Indira Gandhi. É inigualável no cenário nacional, no momento atual”, fala Vaishnav.

A primeira vitória, em 2014, foi um voto de protesto contra uma política contaminada por corrupção. Já a vitória de 2019 foi uma afirmação de Modi. “É uma vitória de Modi e da sua visão da Índia”, disse o cientista político Mahesh Rangarajan.

2 – Uma mistura de desenvolvimento e nacionalismo

Uma combinação de retórica nacionalista, uma polarização religiosa e uma grande quantidade de programas de bem estar social ajudaram Modi a conquistar uma segunda vitória.

Em uma campanha amarga e divisiva, Modi não poupou esforços para fundir nacionalismo e desenvolvimento. Ele criou dois polos: os nacionalistas (seus apoiadores) contra os anti-nacionalistas (seus rivais políticos e críticos); o segurança e vigia da nação (o próprio Modi, protegendo o país em “terra, ar e espaço”) contra os corruptos (uma ironia a respeito do principal partido de oposição).

Somado a isso, houve uma promessa de desenvolvimento. Modi defendeu benefícios sociais voltados para os mais pobres – como moradia, crédito e preço do gás de cozinha.

O premiê também explorou temas como segurança nacional e política externa para atrair eleitores, de uma maneira nunca vista em uma eleição geral indiana na história recente.

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Image caption Sob a liderança de Modi, o BJP se tornou o partido dominante na Índia

Após um ataque suicida – de autoria reivindicada por extremistas baseados no Paquistão – que matou mais de 40 paralimitares indianos na região da Caxemira e o ataque de retaliação contra o Paquistão na véspera da eleição, Modi convenceu as massas de que a Índia ficaria mais segura se ele permanecesse no poder.

Pessoas sem interesse imediato em política externa – agricultores, comerciantes e trabalhadores – relataram à BBC que a Índia conquistou respeito internacional sob a liderança de Modi.

“Está tudo bem se não houve muito desenvolvimento, mas Modi está mantendo a nação segura e mantendo a Índia de cabeça erguida”, disse um eleitor na cidade de Kolkata.

3 – Vitória de Modi sinaliza uma grande mudança na política

A figura de Modi se tornou maior que seu partido e um símbolo de esperança para muitos.

Sob a liderança dele e seu poderoso aliado Amit Shah, o partido BJP se tornou uma máquina forte. “A expansão geográfica do BJP é muito significativa”, afirma Mahesh Rangarajan.

Tradicionalmente, o BJP encontrou seu maior apoio nos populosos Estados falantes de hindi, no norte do país. Das 282 cadeiras obtidas pelo partido em 2014, 193 vieram dessas áreas. As exceções são Gujarat, o Estado natal de Modi e um bastião do BJP, e Maharashtra, onde o BJP governou em aliança com um partido local.

Mas desde que Modi se tornou primeiro-ministro, o BJP formou alianças em importantes Estados do norte, como Assam e Tripura.

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Image caption Poderosos líderes regionais, como Mayawati, não conseguiram barrar o crescimento do BJP

E, nessas eleições, o BJP – que conquistou mais assentos que o partido Congresso Nacional Indiano – emergiu como uma força também em Estados não falantes de hindi, como Orissa e Bengala Ocidental, no leste.

A presença modesta do partido no sul da Índia não faz dele uma sigla verdadeiramente pan-indiana, como o Congresso Nacional Indiano. Mas o BJP está se movimentando nessa direção.

Vinte anos atrás, quando o BJP estava no poder com Atal Behari Vajpayee, o partido parecia se contentar com a posição de ser o primeiro entre iguais – o maior partido em um grupo de partidos que tentava conduzir um governo estável.

Já sob a liderança de Modi, o BJP obteve uma surpreendente maioria no Parlamento, se tornando a principal legenda, e não há mais nenhum partido equivalente em tamanho e poder.

Modi e Amit Shat adotaram um modo de fazer política agressivo. O partido não é uma máquina sazonal, que se manifesta apenas durante as eleições. Pelo contrário, parece estar em permanente campanha.

O cientista político Suhas Palshikar acredita que a Índia pode se tornar um Estado dominado por um único partido, assim como ocorreu no passado com o Congresso Nacional Indiano. Seria “o segundo sistema de partido dominante”, com o BJP na liderança, o principal partido de oposição – o Congresso Nacional Indiano – permanecendo fraco e os demais partidos regionais perdendo terreno.

4 – O nacionalismo e o anseio por um líder forte tiveram papel importante

O nacionalismo acentuado de Modi foi um elemento-chave da campanha e parece ter prevalecido sobre problemas econômicos mais urgentes que afetam os eleitores.

Alguns analistas acreditam que, sob o comando de Modi, a Índia pode estar avançando mais lentamente para se tornar uma democracia étnica, o que requer a “mobilização da maioria para preservar a nação étnica”.

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Image caption Mais de 65% dos 900 milhões de eleitores compareceram às urnas

Isso se pareceria mais com Israel, que o sociólogo Sammy Smooha caracterizou como um Estado que “se esforça para combinar uma identidade étnica (judaica) e um sistema parlamentar inspirado na Europa Ocidental”.

O nacionalismo hindu irá se tornar o modelo padrão da política e da sociedade indiana?

Não será fácil – a Índia é próspera em diversidade. O hinduísmo é uma fé diversa. Diferenças sociais e linguísticas mantêm a Índia unida. A democracia é um cimento adicional.

A vertente do BJP de nacionalismo exacerbado, combinando hinduísmo e patriotismo, pode não ser atraente para todos os indianos. “Não há nenhum outro lugar no mundo onde a diversidade seja tão grande e a tentativa de homogenizar tão preocupante”, avalia Rangarajan.

Além disso, o direcionamento da Índia rumo à direita não é exclusivo do país. Está ocorrendo com a nova direita do Partido Republicano nos Estados Unidos. Além disso, o terreno central da política francesa e alemã também mudou para a direita, assim como o Brasil.

A mudança da Índia rumo à direita é claramente parte de uma tendência mais ampla, onde a natureza do nacionalismo está sendo redefinida e a identidade cultural está recebendo uma nova ênfase.

Quão válidos são os temores de que a Índia esteja rumando para se tornar um Estado totalitário sob o comando de Modi? Ele não é o primeiro líder a ser chamado de fascita e autoritário por seus críticos. Gandhi também foi chamado dessa forma quando suspendeu liberdades civis e impôs Estado de Emergência em meados dos anos 1970. Acabou derrotada nas eleições seguintes.

Modi é um homem de fibra e, possivelmente, as pessoas o amam por isso.

Um relatório de 2017 feito pelo CSDS mostrou que o apoio à democracia na Índia havia caído de 70% para 63%, entre 2005 e 2017. Outro relatório, do Pew Reserch Center, revelou que 55% dos entrevistados apoiavam um “sistema de governo no qual um líder forte pudesse tomar decisões sem interferência do Parlamento ou das cortes judiciais”.

Mas o anseio por um homem forte também não é exclusivo da Índia. Tome em consideração o presidente russo, Vladimir Putin, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, o húngaro Viktor Orban, o brasileiro Jair Bolsonaro e Rodrigo Duterte nas Filipinas.

5 – Partido Congresso Nacional Indiano enfrenta uma crise de identidade

O Congresso Nacional Indiano sofreu duas grandes derrotas sucessivas, mas ainda se deve se manter como o segundo maior partido nacional – ainda que muito atrás do BJP e embora esteja enfrentando uma grande crise: a redução do seu espaço geográfico.

Em Bihar, Uttar Pradesh e Bengale, as regiões mais populosas da Índia, o Congresso Nacional indiano praticamente não existe. O partido é invisível em Estados no Sul, como Andhra Pradesh e Telangana. No oeste industrialmente desenvolvido, o partido venceu uma eleição estadual em Gujarat pela última vez em 1990 e, em Maharashtra, não está no poder desde que Modi se tornou primeiro-ministro.

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Image caption O partido Congresso Nacional Indiano, de Rahul Gandhi, sofreu uma segunda derrota sucessiva

Muitas questões serão feitas após uma segunda derrota eleitoral sucessiva. Como o partido pode se tornar mais atrativo para mais aliados? Como o partido será conduzido? Como reduzirá sua dependência da dinastia Gandhi e se abrir para líderes mais jovens (sendo que o Congresso Nacional ainda é um partido de líderes de segunda ou terceira geração em muitos Estados)? Como o Congresso Nacional vai construir uma base para superar o BJP?

“O partido Congresso Nacional Indiano vai continuar levando, assim como já fez nos últimos ciclos eleitorais. Não é um partido conhecido por uma profunda introspecção”, afirma Milan Vaishnav.

A cientista política Yogendra Yadav, que se tornou ela própria uma figura política, acredita que o Congresso Nacional Indiano passou da validade e “deve morrer”. Mas partidos são capazes de se reinventar e se renovar. Apenas o futuro irá mostrar se o Congresso Nacional Indiano poderá se reconstruir das ruínas.

6 – Um futuro misto para os partidos regionais da Índia

No “Estado termômetro” de Uttar Pradesh, que produz mais congressistas que qualquer outro, o BJP busca repetir a estrondosa vitória de 2014, quando obteve 71 das 80 cadeiras. É um dos Estados indianos mais divididos socialmente e com mais desvantagens econômicas.

Dessa vez, o partido de Modi deve enfrentar grande competição de uma formidável aliança de poderosos partidos regionais, o Samajwadi e o Bahujan Samaj, que foi apropriadamente chamada de “mahagatbandhan” – grande aliança.

O carisma e a química de Modi parecem ter triunfado sobre esses dois partidos regionais, que sempre contaram com o voto fiel de um grupo de indianos de castas baixas e “intocáveis” (antes conhecidos por Dalits). Essa fidelidade, no entanto, foi rompida – o que prova que a aritmética de casta não é imutável.

Os partidos regionais indianos devem repensar suas estratégias e oferecer uma visão econômica e social mais atraente. Caso contrário, um número cada vez maior dos seus apoiadores irá abandoná-los.


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Fonte: BBC