- Rogério Simões
- De Londres, especial para a BBC News Brasil
Imagine um prédio de 45 andares. Agora pense nesse prédio caindo na sua direção e bloqueando o único caminho existente entre você e o mundo exterior. Pior: você está mais de 700 metros embaixo da terra.
Essa foi a realidade enfrentada por 33 mineiros presos na mina San José, no Chile, a 800 quilômetros ao norte da capital Santiago, em 5 de agosto de 2010. Aqueles na superfície temiam que todos os trabalhadores estivessem mortos.
Mas todos os mineiros haviam sobrevivido e acabariam sendo retirados do subsolo com vida, após incríveis 69 dias.
O drama do grupo, que ficou conhecido como “os 33”, foi acompanhado com ansiedade pelo mundo todo, com as incríveis cenas do resgate transmitdas ao vivo pela televisão.
O acidente
Tudo parecia correr bem na hora do almoço daquela quinta-feira, 5 de agosto. A mina San José, em Copiapó, na região do deserto do Atacama, empregava 150 trabalhadores e operava normalmente, com equipes extraindo cobre e ouro. Com mais de 100 anos de existência, a San José contava apenas com um túnel de exploração, que servia de entrada e saída, sem outros caminhos alternativos ligando o subterrâneo com a superfície. Com uma rampa em zigue-zague, o túnel que avançava dentro da montanha percorria aproximadamente 7 quilômetros.
Às 14h, ocorreu o acidente. Um desmoronamento interno fez com que uma enorme rocha se desprendesse da montanha e caísse sobre o túnel, fechando completamente a ligação com a superfície. Dentro da mina, ficaram 33 mineiros – 32 chilenos e 1 boliviano.
Equipes de reconhecimento seguiram para dentro da mina até atingir o ponto do desmoronamento. Lá, viram pela primeira vez o tamanho do problema. Uma gigantesca massa de granito, de cerca de 130 metros de altura e pesando mais de meio milhão de toneladas, havia fechado completamente o túnel de exploração da mina San José. Sua presença significava que seria impossível que os mineiros conseguissem sair ou fossem retirados da mina por onde haviam entrado. Uma rota alternativa precisaria ser criada.
Os técnicos também logo imaginaram que, caso os mineiros estivessem vivos, eles possivelmente teriam seguido até o único refúgio interno da mina – um área na lateral do túnel, de cerca de 50 metros quadrados, tamanho de um pequeno apartamento. O refúgio, porém, ficava quase no fim do túnel, a 720 metros de profundidade. A notícia do acidente fez com que, rapidamente, familiares dos trabalhadores fossem até a entrada da mina, em busca de informações.
Não havia tempo a perder. De início, as equipes tentaram aproveitar o que estava disponível: os tubos de ventilação já existentes. Imaginou-se que eles pudessem ser usados para a retirada do grupo, e imediatamente foi iniciado um trabalho dentro da mina para aproveitar essas cavidades. A ideia, porém, logo precisou ser abandonada. Dois dias depois do acidente, um novo desmoronamento de rocha atingiu o tubo de ventilação que serviria como saída alternativa. Ele foi totalmente destruído, e a passagem, bloqueada. O então ministro da Mineração chileno, Laurence Golborne, que acompanhava os trabalhos de perto, resumiu a situação. “O caminho mais fácil e mais lógico agora está bloqueado. Especialistas terão de encontrar outras alternativas, mas essas serão mais difíceis e levarão mais tempo.” Ninguém ainda sabia se os mineiros estavam vivos.
A busca pelos 33
Foram dias de angústia, especialmente para os parentes dos trabalhadores soterrados, que montaram um acampamento diante da mina. Eles temiam que o grupo viesse a morrer caso não fosse encontrado logo. Sabia-se que, caso tivessem sobrevivido e conseguido se instalar no abrigo subterrâneo, eles tinham comida para apenas alguns dias.
Na superfície, foram instaladas nove sondas de perfuração, normalmente usadas para procurar minérios. Dessa vez, seriam usadas para encontrar 33 pessoas. Cada máquina perfurava um buraco no solo de 15 centímetros de diâmetro e seguia, cuidadosamente, para debaixo da terra numa tentativa de achar sobreviventes. Muitas vezes tinham de fazer desvios para contornar rochas impenetráveis. Com câmeras em suas extremidades, as sondas enviavam imagens que eram avaliadas pelos técnicos. O refúgio da mina, localizado num dos pontos mais profundos, seria a última parte a ser atingida pelas sondas em sua varredura. Enquanto isso, mais e mais parentes e amigos concentravam-se no acampamento montado em frente à mina, com cartazes, mensagens de apoio e orações – além da imprensa, que informava o mundo sobre o drama chileno.
Passadas duas semanas, não havia confirmação sobre o estado ou localização dos mineiros. Apenas 17 dias após o acidente, em 22 de agosto, veio o primeiro sinal de vida do fundo da mina. Uma das sondas finalmente chegou a um túnel próximo ao refúgio. Os operadores das sondas ouviram o que acreditavam ser sons vindo daquela área, possivelmente alguma tentativa de comunicação.
Quando puxaram a sonda de volta à superfície, ela trazia a surpresa que mudou os rumos da tragédia de San José. Um pequeno bilhete havia sido anexado pelos mineiros à lateral da sonda, uma mensagem que entraria para a história: “Estamos bem no refúgio os 33”. Era a informação que parentes, colegas, autoridades e o mundo todo esperavam ouvir. Presente ao local, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, exibiu eufórico a mensagem com a mão e, diante de repórteres e câmeras de TV, repetia seu conteúdo.
Citada pela agência de notícias Reuters, Elisa Barros, irmã de um dos mineiros preso na mina, dizia que a nota enviada por eles mudava completamente a expectativa de todos. “A espera é bem diferente agora. É uma espera livre de angústia. Não acabou ainda, mas temos muito mais esperança num final feliz.” A rede CBS, que como toda a imprensa dos Estados Unidos também acompanhava o drama chileno, também registrou o alívio de parentes que acompanhavam as operações. “Eu estou feliz, feliz”, disse uma das filhas de Mario Gómez, segundo a CBS. “Pela primeira vez, eu vou conseguir dormir tranquila.”
Sobreviver por longos 17 dias a 720 metros embaixo da terra já fora um feito admirável. O grupo passou o tempo todo racionando os mantimentos que ficavam estocados no refúgio. Cada um alimentou-se de apenas duas colheres de atum, um pouco de leite e metade de um biscoito a cada 48 horas. Estimava-se que cada um tivesse perdido cerca de 8 ou 9 quilos. Essa fase, no entanto, ficara para trás. Com a bem-sucedida escavação feita pela sonda, as equipes trabalhando na superfície tinham agora um túnel de 15 centímetros como canal de contato com os mineiros soterrados. Pelo túnel, foram logo enviados glicose, medicamentos, oxigênio e cápsulas de reidratação. Um cabo telefônico foi instalado para comunicação, e uma pequena celebração marcou a primeira chamada, atendida pelo ministro das Minas, Laurence Golborne. Do outro lado da linha, estava o chefe de turno, Luiz Urzúa. “Estamos bem, esperando pelo resgate.”
Uma câmera de vídeo também chegou ao grupo, e as imagens recebidas mostravam os mineiros sem camisa, já que enfrentavam constantes temperaturas de mais de 30 graus Celsius e uma alta taxa de umidade. Os parentes passaram a lhes enviar mensagens de apoio. Ao todo, três pequenos túneis para envio de mantimentos e para comunicação seriam cavados. Aos engenheiros e às autoridades, porém, o principal objetivo era perfurar um caminho largo o suficiente para trazer os mineiros de volta à superfície, com um equipamento que garantisse a eficácia e a segurança da empreitada.
A longa espera
Depois da emocionante descoberta de que estavam todos vivos, sabia-se que o mais difícil estava por vir. A espera seria longa, como avisou o presidente Piñera. “Levará meses para retirá-los.” Mais precisamente, segundo o engenheiro-chefe da operação, Andres Sougarret, “pelo menos quatro meses” – o que significava um resgate apenas no fim de dezembro. Nesse período, além da escavação do túnel pelo qual eles seriam resgatados, seria necessário garantir a saúde dos mineiros e preparar o equipamento para a difícil missão. Decidiram então buscar a ajuda de quem entende de missões: a Nasa, agência espacial americana.
Segundo a Nasa, sua participação começou com propostas sobre como manter os trabalhadores bem, tanto física como mentalmente. “O apoio inicial da Nasa para ‘Os 33’ incluiu recomendações de cuidado médico, nutrição e apoio psicológico”, diz um relatório da agência sobre a colaboração com os chilenos. Dois médicos da Nasa fizeram várias recomendações, entre elas: exercícios moderados para que eles mantivessem a massa muscular; mudar a dieta para reduzir o consumo de oxigênio e a produção de gás carbônico num espaço fechado – “algo que a Nasa havia estudado para o ônibus espacial”; e manter uma rotina de sono, “o que é chave para o estado de espírito e estabilidade social”. Na área psicológica, os profissionais da agência espacial recomendaram medidas como estabelecer uma programação regular para o contato com familiares e amigos, administrar as dinâmicas de grupo – “as tensões podem aumentar com muitas pessoas num pequeno espaço fechado” – e apoio e aconselhamento às famílias dos mineiros.
A comunidade criada na porta da mina San José seguia cada dia mais vibrante. A movimentação logo se tornou uma pequena vila, com centenas de pessoas, e ganhou um nome: Acampamento Esperança. Do subterrâneo, chegavam vídeos com depoimentos do mineiros, mostrando como eles haviam sobrevivido até então e como viviam embaixo da terra. Sua base era o refúgio de 50 metros quadrados, mas eles também podiam se movimentar em outros túneis da mina, pelos quais chegaram a tentar encontrar alguma possível saída, sem sucesso.
Em uma das gravações em vídeo, Mario Sepúlveda mostrou o tanque de água, da qual dependiam e que faziam o possível para manter limpa. “Nós temos tirado água daqui. Com essa água, nós temos nos mantido. Pedimos a Deus que essa água não nos deixe doentes. Graças a Deus, não nos deixou.” Sepúlveda também mostrou em vídeo o local em que, segundo ele, o grupo preparou sua primeira refeição após o acidente, cozinhando atum enlatado e uma sopa. “Aqui nós nos reunimos, e foi muito lindo e emocionante.” Sepúlveda então disse diante da câmera: “Nós apreciaríamos muito se você pudesse contar às nossas famílias que nós os amamos muito”.
A tecnologia lhes permitiu até assistir a um amistoso de futebol entre Chile e Ucrânia, usando um projetor e um cabo de alta velocidade. A derrota da seleção chilena por 2 a 1 não tirou o valor da experiência de entretenimento compartilhado com o mundo exterior. Para mineiros fumantes, lidar com o vício era um desafio adicional. Sem acesso a cigarros – as equipes médicas recusaram-se a enviá-los -, mineiros fumantes recebiam adesivos de nicotina que colocavam em seus braços. Para o grupo como um todo, a fé oferecia confiança de que o drama teria final feliz. Enquanto os mineiros rezavam e exibiam crucifixos, aqueles na superfície receberam uma imagem da Virgem Maria e a visita de representantes da Igreja Católica. Em Roma, o papa Bento XVI rezava pelos mineiros, que lhe enviaram uma bandeira do Chile assinada por todos.
Três operações de perfuração foram realizadas para tentar criar o túnel de resgate – plano A, plano B e plano C. O primeiro utilizou a perfuradora Strata 950 para abrir um caminho novo e atingir uma profundidade de 702 metros. Lento, ele indicava uma conclusão apenas em fins de dezembro. Surgiram outras opções mais rápidas. No fim de agosto, apareceu um plano B, que previa uma diferente tecnologia e aproveitaria um dos pequenos canais já usados para o envio de mantimentos. A perfuradora Schramm T130 escavaria em torno do estreito túnel já existente, tornando-o largo o suficiente para transportar um mineiro dentro de uma cápsula. Isso reduziria em dois meses o prazo de conclusão dos trabalhos – de dezembro para outubro. A Schramm T130, porém, enfrentou problemas, quebrando duas vezes na operação. Com uma primeira escavação ainda estreita, atingiu seu destino, um ponto a 624 metros de profundidade. Uma segunda escavação, porém, era necessária para alargar o túnel e permitir a retirada dos trabalhadores.
Um plano C parecia a alternativa ainda mais rápida: a utilização de uma sonda de perfuração para a procura de petróleo, a RIG-421. Com uma estrutura enorme, ela foi transportada até a mina por vários caminhões, em partes, para ser montada no próprio local – o que levou vários dias. Seu alvo era um ponto mais próximo da superfície, a uma profundidade de 567 metros. Além de rápida, a RIG-421 precisava apenas de uma escavação para criar o túnel, já na largura necessária para a retirada dos mineiros.
Enquanto isso, engenheiros da Marinha chilena projetavam a cápsula que traria os trabalhadores de volta à superfície, tarefa que também contou com o auxílio da Nasa. Batizada de Fénix, ela transportaria cada mineiro individualmente e precisava contar com dispositivos que garantissem o sucesso da operação e a segurança de quem estivesse em seu interior. A Nasa fez ao todo 75 recomendações, entre elas a inclusão de um alçapão no chão da cápsula e pequenas rodas nas suas laterais. “As rodas amorteceriam a viagem à superfície, reduzindo o atrito com as paredes do túnel e reduzindo a possibilidade de a cápsula ficar presa no meio do caminho”, explica o relato da Nasa. Caso assim mesmo a cápsula parasse de subir, o alçapão permitiria que o mineiro saísse pela parte de baixo e descesse com uma corda de volta ao abrigo. O resultado final foi uma cápsula de aço de 3,9 metros de altura na parte externa, 1,90 metro do lado de dentro, 54 centímetros de diâmetro e um peso de 420 quilos.
Em 25 de setembro de 2010 – 51 dias depois do acidente -, chegou à mina San José a primeira Fénix, pintada em azul, vermelho e branco, as cores da bandeira do Chile. Ao ser apresentada à imprensa, parentes dos mineiros puderam inspecionar de perto o equipamento. Carolina Lobos, filha de um dos mineiros presos na mina, entrou na cápsula e aprovou o que viu. Foram produzidas três unidades da Fénix para o resgate – ter uma cópia idêntica na superfície possibilitaria entender mais facilmente a ocorrência de algum problema técnico.
A volta à superfície
Dois três planos de escavação, apenas um atingiu seu objetivo. Plano A foi abandonado no início de outubro, tendo chegado a 598 metros – 104 metros aquém do necessário. Apesar da grande expectativa, a enorme sonda petrolífera do plano C provou-se incapaz de superar as dificuldades do tipo de subsolo do local e cavou apenas 373 metros.
O plano B, no entanto, foi um sucesso. Apesar de dois episódios em que parte do equipamento quebrou, a perfuradora Schramm T130, fabricada por uma empresa da Pensylvannia, nos Estados Unidos, conseguiu alargar o túnel até os 624 metros necessários. No dia 9 de outubro, pouco depois das 8h da manhã, horário local, a perfuradora chegou a seu objetivo, momento celebrado com grande emoção pelos técnicos na superfície.
Com o túnel pronto e uma das três cápsulas, Fénix 2, preparada para o transporte dos mineiros, os maiores desafios haviam sido vencidos. Trazê-los à superfície, no entanto, ainda era uma tarefa delicada. Todo cuidado era pouco. A cápsula contava com luz, um dispositivo de comunicação e três tanques de ar, oferecendo 90 minutos de respiração para emergências. Cada mineiro subiria usando óculos escuros, para evitar o choque dos olhos com a luz exterior. Em média, a viagem na cápsula levaria cerca de 15 minutos.
Na noite de terça-feira, 12 de outubro, após um bem-sucedido teste com a cápsula vazia no dia anterior, estava tudo pronto. Pouco depois das 23h, um integrante da equipe de resgate, Manuel González, entrou na Fénix 2 para ser enviado aonde estavam os mineiros. Na volta à superfície, a cápsula começou a trazer Florencio Ávalos, o primeiro a ser resgatado. Às 0h10 do dia 13, diante dos olhos ansiosos de todos e da expectativa do mundo inteiro, a Fénix 2 reapareceu na superfície. De dentro dela, diante das câmeras de TV que transmitiam a cena ao vivo para os quatro cantos do mundo, saiu Ávalos. O minieiro logo abraçou seu filho Bairo, de sete anos, que não conseguia conter o choro. Um abraço em sua esposa, em colegas e no presidente Sebastian Piñera completaram o tocante momento.
Seriam 23 horas de operação. Quando saiu da Fénix 2 o segundo mineiro, o cativante Mario Sepúlveda, conhecido como “Super Mario”, o clima emocionado da chegada de Ávalos transformou-se em festa. Sepúlveda foi recebido pela esposa e distribuiu aos presentes pedras que trouxera como lembranças. Abraçou colegas, o ministro, o presidente e a primeira-dama, Cecilia Morel. Caiu nos braços de outros colegas que acompanhavam a cena mais afastados e puxou o tradicional grito “Chi, chi, chi!! Le, Le, Le!!! Mineros de Chile!!!”. Quase um dia inteiro depois, às 21h55 do dia 13, chegou à superfície o último dos 33, Luis Urzúa, o chefe da equipe. Manuel González, o primeiro de seis integrantes das equipes de resgate que ajudaram os trabalhadores no retorno, continuava no mundo subterrâneo. Foi erguido pouco depois, a última pessoa a deixar as profundezas da mina San José.
Celebração e perguntas
Os meses seguintes foram de permanente comemoração. Assim que deixaram a mina, os 33 mineiros foram hospitalizados, mas nenhum sofria de problemas físicos graves. Todos foram então recebidos como heróis por onde passavam, o que incluiu uma viagem paga pela Disney ao parque Disney World, na Flórida (EUA), com direito a desfile ao lado de Mickey Mouse. Vieram presentes, como motocicletas da fabricante Kawasaki, e mesmo doações em dinheiro. Um dos resgatados, Edison Peña, foi entrevistado no famoso talk show de David Letterman, na TV americana, quando fez uma breve imitação de Elvis Presley. O drama dos mineiros virou filme, “Os 33”, com Antonio Banderas e Juliette Binoche, lançado em 2015. Os mineiros do Chile eram celebridades internacionais.
O presidente Sebastián Piñera também aproveitou a popularidade proporcionada pelo drama. Quando viajou a Londres, ainda em outubro de 2010, numa visita marcada meses antes, o jornal The Guardian o chamou de “possivelmente o político mais popular do mundo no momento”. Piñera entregou rochas trazidas da mina San José ao então premiê David Cameron e à rainha Elizabeth II. Esteve também na França e na Alemanha – e por onde ia fazia questão de mostrar uma cópia do bilhete escrito pelos mineiros. A Fénix 2 foi colocada no Museo Regional do Atacama, em Copiapó, enquanto um outro exemplar da cápsula Fénix rodou o mundo, exibido em museus.
No Chile, depois das celebrações vieram perguntas sobre causas e responsabilidades pelo acidente. Muitos diziam que os mineiros haviam sido vítimas das pressões econômicas para que a mina fosse explorada. A mineração é historicamente uma das mais importantes atividades do Chile – em 2019, representava cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do país e cerca de 50% das exportações. O principal minério explorado é o cobre, do qual o Chile é o maior produtor mundial e cuja participação chilena no mercado global é de aproximadamente 30%.
A mina San José, de onde era retirado cobre e ouro, foi aberta em 1889. Era a única de propriedade da San Esteban Mining Company, uma mineradora de médio porte. Muitos argumentavam que a San José não deveria estar funcionando naquele fatídico 5 de agosto de 2010, mas a realidade do país e da indústria pareciam ter falado mais alto. A década antes do acidente foi um período de crescimento da produção de cobre, com preços altos no mercado internacional e forte demanda. Isso teria aumentado a pressão para que qualquer mina que pudesse ser explorada fosse aproveitada – mesmo sem plenas condições de segurança.
Em 2007, a San José havia sido fechada pelas autoridades, depois da morte de um trabalhador. Entre as exigências para sua abertura estava a criação de um segundo caminho para a superfície. Essa segunda saída nunca foi construída, mas a San José reabriu assim mesmo, em 2008. Por situações como essa, muitos na região chamavam os mineiros que trabalhavam no local e em outras minas locais de “kamikazes” – ou suicidas. Vinte dias depois do acidente, as autoridades chilenas se movimentaram: fecharam 18 minas, após uma nova avaliação de suas condições. Algumas sofriam do mesmo problema da San José: falta de pelo menos duas vias para evacuação dos trabalhadores em caso de acidente. Outras falhavam em diferentes quesitos, como ter poucos túneis de ventilação ou áreas de refúgio subterrâneas.
Sobre o acidente de 2010, porém, perguntas ficaram sem respostas. Em agosto de 2013, a Justiça chilena encerrou as investigações sobre o acidente sem o indiciamento de ninguém. Segundo o promotor de Atacama Héctor Mella Farías, os três anos de investigação não identificaram elementos suficientes para responsabilizar os proprietários da mineradora San Esteban. Os mineiros protestaram, e o ex-ministro Golborne chamou a decisão de “terrível”.
Poucos anos depois, a fama repentina e breve não havia produzido um futuro próspero para os 33. A maioria continuava sem trabalho fixo e reclamava da falta de oportunidades. Segundo eles, mineradoras chilenas recusavam-se a contratá-los por saber que denunciariam irregularidades na segurança e nas condições de trabalho. Traumas psicológicos decorrentes da terrível experiência ainda acompanhavam muitos do grupo, para os quais a volta a uma vida normal ainda estava distante. Em entrevista ao diário britânico The Daily Mail, em 2014, Mario Sepúlveda disse que estava prestes a voltar a trabalhar nas minas, por falta de opção. “Tenho fama, mas não tenho dinheiro. É a pior coisa possível.” Ele dizia que os mineiros haviam sido esquecidos. “Por alguns meses fomos superestrelas. Mas aos poucos o mundo se esqueceu de nós e nos deixou sofrendo em silêncio.”
Este artigo é parte da série “21 Histórias que Marcaram as Primeirs Décadas do Século 21”, da BBC News Brasil
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Fonte: BBC