O enigma que só será resolvido em 2113 sob a Torre Eiffel

Torre Eiffel em azul

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Uma revelação aguarda os curiosos em um sábado de verão em Paris, daqui a 90 anos

Era um desafio totalmente novo. E os fãs da franquia de vídeo game Trials sabiam que seus criadores dificultariam a corrida de obstáculos ao máximo.

Eles também sabiam que deveriam ficar atentos aos “easter eggs” – pistas ocultas ou referências externas a outros jogos, filmes, pessoas etc.

No jogo anterior, Trials HD, eles haviam encontrado pistas sobre um enigma magnífico que levou anos para ser solucionado. O que eles não esperavam é que o enigma de Trials Evolution os levaria a explorar temas místicos e científicos, a ponto de saírem de casa em busca de pistas materiais para solucionar o grande mistério.

E eles também nunca imaginaram que, graças a todos os seus esforços, acabariam encontrando todas as peças necessárias para que o quebra-cabeça seja resolvido… depois que nenhum deles estiver mais vivo.

Este episódio é lendário entre os gamers. E, entre os estudiosos culturais, é um convite para a reflexão. O que pode parecer um entretenimento irrelevante trouxe à mente algumas das perguntas mais profundas da condição humana, segundo eles.

Mas vamos começar contando o que aconteceu com o épico enigma do jogo Trials Evolution.

Crédito, Ubisoft/Divulgação

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Disponível para Xbox 360 e Microsoft Windows, o jogo ‘Trials Evolution’ foi desenvolvido pela empresa RedLynx e publicado pela Microsoft Studios

O périplo

Para nos servir de guia, recorremos ao superfã Brad Hill, que, com o pseudônimo Professor FatShady, publicou um resumo da caça ao tesouro no website Kotaku quando a comunidade de jogadores conseguiu chegar à conclusão que era possível para o momento.

Os detalhes são complexos, mas, de forma geral, a história foi a seguinte:

Pouco depois do lançamento do jogo Trials Evolution no serviço de download de jogos Xbox Live Arcade, em abril de 2012, os jogadores começaram a descobrir uma série de placas de madeira que, reunidas, formavam uma mensagem codificada.

Com muito esforço e um pouco de sorte, eles decifraram a mensagem: eram instruções para realizar uma manobra secreta no jogo que desbloqueava uma música. A canção começava dizendo:

“Acorde e escute / Os segredos estão escondidos / nos tons mais brilhantes / seus ouvidos podem não captá-los / talvez você precise transformá-los em uma forma visível…”

E assim eles fizeram. Um programa de visualização de análise espectral revelou uma mensagem em código Morse. E essa mensagem levava a um website que continha imagens criptografadas, atualizadas diariamente a partir de 2013.

Os gamers observaram que as imagens faziam referência a cientistas. E, com seus nomes, formaram as 26 letras do alfabeto. Era outro enigma.

Sua resposta? “Grande congelamento sem final completo”, uma teoria sobre o fim do Universo.

Esta solução levou a outro website que fornecia coordenadas e pistas para encontrar quatro objetos espalhados no mundo real! Um deles estava em São Francisco, nos Estados Unidos; o segundo, em Sydney, na Austrália; e o terceiro, em Bath, no Reino Unido.

Eram pequenos cofres ocultos, onde foram encontradas chaves e placas de metal com o início de uma frase: “Parecia que tinha sido uma eternidade.”

Os jogadores descobriram que a frase era do livro A Culpa É das Estrelas, do escritor norte-americano John Green. A citação completa era:

“Parecia que tinha sido uma eternidade, como se tivéssemos vivido uma breve, mas infinita eternidade. Alguns infinitos são maiores que outros.”

O quarto cofre foi encontrado na capital da Finlândia, Helsinque, que é a cidade natal da empresa RedLynx, criadora de Trials.

Um dos fãs que se aventuraram a procurá-lo foi até o endereço indicado no website. Lá entregaram a ele alguns documentos aparentemente reais com 300 anos de idade, relativos à venda de terras de uma propriedade francesa no século 18.

Também havia um mapa para chegar a um cemitério onde estava o quinto e último cofre. E ele continha outra chave e vários objetos, incluindo um relógio de bolso antigo, de 1916.

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As imagens formam o alfabeto com nomes de cientistas: Ampère, Bohr, Curie (o “D” ainda é um mistério), Einstein, Fermat, Galileu, Huygens, Ioffe, Joliot-Curie, Kendall, Lagrange…

No verso da placa de metal, havia uma mensagem gravada:

“Meio-dia do ano 2113. Primeiro sábado de agosto. Uma das cinco chaves abrirá a caixa debaixo da Torre Eiffel.”

E, assim, o enigma foi resolvido. Depois de tanto tempo, os fãs haviam chegado à última parada na sua caça ao tesouro global.

A tão buscada resolução estava no futuro. Mas grande parte dos desejos do criador do enigma já havia sido atendida.

O autor intelectual

Tudo foi meticulosamente planejado por Antti Ilvessuo – que, junto com seu irmão Atte, foi um dos fundadores da RedLynx no ano 2000.

Enquanto a comunidade de gamers explorava teorias científicas, análise espectral, ideias sobre o fim do Universo, criptografia, tábuas neolíticas e compartilhava seus conhecimentos para solucionar o enigma em colaboração, Ilvessuo observava com satisfação que tudo estava se desenvolvendo conforme o esperado.

“O enigma realmente é importante para mim, pois ele uniu as pessoas que queriam resolvê-lo”, explicou ele em entrevista ao escritor britânico Matthew Syed, para o programa Sideways, da BBC Rádio 4.

“Acredito que o esforço para fazer algo duradouro só funciona se as pessoas trabalharem em conjunto pelo bem comum, sem temer o pior, nem criar conflitos…”, afirma Ilvessuo. “Só é preciso ser curioso e aproveitar os conhecimentos.”

Ele sorri com frequência, sem esclarecer os detalhes desconhecidos sobre o enigma. Mas deixa entrever que, mesmo 10 anos depois, ainda se emociona com o que aconteceu.

“Para mim, foi muito significativo. Sempre disse que é preciso poder confiar nas pessoas, que as pessoas são inteligentes e curiosas”, prossegue Ilvessuo. “E a forma certa de resolver os problemas do mundo em que vivemos é com as pessoas trabalhando em conjunto.”

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“Neste enigma, tive fé que as pessoas teriam confiança e aconteceu. E continua acontecendo”, afirma ele.

Este voto de confiança valeu a pena. Mesmo precisando passar tantas décadas para poder abrir o último cofre, para o superfã Professor FatShady e muitos dos participantes, a conclusão está longe de ser frustrante.

“Você persegue algo como isso porque quer ver o encerramento, quer chegar ao final, atingir a meta”, afirmou o superfã ao programa Sideways. “O interessante é que a conclusão não foi uma conclusão, mas o começo de outra viagem de 100 anos para chegar a outra coisa. Esta é a melhor forma de terminar: dando-nos algo no futuro.”

Uma oferta ao que está por vir… um legado, que obriga a nos projetarmos para um amanhã em que não estaremos aqui.

Ou, como ressalta o psicólogo social Philip Cozzolino, da Universidade de Essex, no Reino Unido, a pensar em algo que normalmente evitamos: a morte.

O que fica no meio

O ato de refletir sobre a morte é considerado atualmente uma poderosa ferramenta psicológica, muito diferente de simplesmente planejar o futuro.

Cozzolino analisou os efeitos psicológicos em pessoas que têm experiências de quase morte ou recebem diagnóstico terminal, mas indica que não precisamos passar por um trauma para obter a clareza proveniente de pensar na morte. O que, sim, é necessário é confrontar algumas verdades invioláveis.

“Existe uma música da banda Pearl Jam (I’m Mine, ou “Sou meu”, em tradução livre), que diz: ‘sei que nasci e sei que vou morrer, o que fica no meio é meu'”, afirma o psicólogo. “Só quando você realmente assume os dois extremos – o nascimento e a morte -, o que está no meio é seu.”

Cozzolino destaca que suas pesquisas confirmam o que está dizendo. Muitos dos que incorporam a inevitabilidade da morte à sua visão de vida passam por mudanças positivas poderosas.

“Em muitos casos, eles dizem aos pesquisadores: ‘sinto que finalmente assumi o controle. Por que estou fazendo este trabalho específico? Ele não me traz felicidade. Por que estamos nesta relação?'”, ele conta.

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A verdade nua e crua é que temos apenas um pequeno período de existência intercalado entre duas eternidades de esquecimento. E não são só os psicólogos que argumentam que a apreciação desta realidade pode nos ajudar a viver vidas mais significativas.

Grandes filósofos existencialistas do século 20, como Heidegger e Kirkegaard, já defendiam este ponto. E Jean-Paul Sartre, no seu livro O Ser e o Nada, argumenta que apreciar a mortalidade pode fornecer emoção à vida.

Todas as horas se tornam preciosas

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Antti Ilvessuo na Conferência de Jogos E3 de 2016, quando era diretor de criação da Ubisoft RedLynx

Antti Ilvessuo preferiu não estar presente quando seu enigma for solucionado.

“Não estou tentando deixar um legado”, afirma ele. “O legado é das pessoas que trabalharam juntas para resolver o enigma e das que entregarão as chaves para as gerações futuras. Ou seja, é um legado comum, um legado do trabalho de muitas pessoas.”

O que ele garante é que deixou acordos concretos para que, naquele sábado de verão em Paris, na França, quem comparecer ao meio-dia à reunião abaixo da Torre Eiffel irá encontrar a peça final do quebra-cabeça.

E, se você quer saber qual é a quinta chave mencionada na placa, trata-se de uma chave digital desbloqueada da sequência do jogo, Trials Fusion.

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Fonte: BBC

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