O jovem que seduzia idosos para ficar com suas heranças e acabou cometendo um assassinato

Ben Field em frente a um espelho com uma mensagem que escreveuDireito de imagem Thames Valley Police
Image caption “Manipulador e maléfico”: Ben Field deixava mensagens no banheiro de senhora e fez com que ela acreditasse que eram mensagens de Deus

Sentado no banco de trás do carro de polícia, o jovem inglês Ben Field dizia: “Acho que vou conseguir sair impune de grande parte do que fiz”. Ele havia seduzido dois vizinhos solitários na Inglaterra — assassinando um e praticando fraude com a outra — e agora encara prisão perpétua.

Na superfície, esse homem de 28 anos era um jovem charmoso, carinhoso e religioso que proferia sermões na igreja Batista de seu pai. Mas o sacristão tinha um projeto sinistro: fazer amizade com indivíduos vulneráveis e fazê-los modificar seu testamento.

Mark Glover, que liderou as investigações policiais, resumiu: “Ben Field só se importa com Ben Field, ninguém mais”.

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Image caption Peter Farquhar e Ann Moore-Martin eram solitários e vulneráveis

Field foi condenado por homicídio e fraude após um julgamento de 10 semanas. Foi descrito pela polícia como um “homem frio, calculista, manipulador, controlador e malvado”.

Segundo as investigações, ele mirou dois vizinhos solitários que viviam a poucas casas um do outro em uma vila em Buckinghamshire, no sul da Inglaterra.

Peter Farquhar, de 69 anos, era um professor convidado na Universidade de Buckingham, onde Field havia estudado literatura inglesa. Ann Moore-Martin, de 83, era uma professora aposentada. As duas vítimas eram profundamente religiosas, solteiras e sem filhos.

Farquhar tinha um grande círculo de amigos e viajava bastante, mas também era solitário. Não era bem resolvido com sua orientação sexual: era gay, mas pensava que isso era incompatível com sua fé anglicana.

Moore-Martin era católica e também ia para a igreja com frequência. Como seu vizinho, também tinha muitos amigos, mas mantinha uma vida extremamente privada. Ela era muito próxima de sua sobrinha – elas se consideravam como mãe e filha.

Field seduziu as duas vítimas. Farquhar pensou que havia encontrado alguém para amar e envelhecer junto. Já Moore-Martin, segundo sua cunhada, parecia hipnotizada por ele, como uma “adolescente apaixonada”.

O réu pediu os dois em casamento e até participou de uma cerimônia com Farquhar em março de 2014.

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Image caption Farquhar e Field em uma cerimônia de união em 2014

Farquhar escreveu em seu diário que aquele “era um dos momentos mais felizes de sua vida”. “O medo de morrer sozinho se foi.” Investigadores concluíram que os motivos de Field, porém, eram puramente de ganho financeiro e que ele estava mantendo relacionamentos com outras pessoas.

Para herdar a casa de Farquhar, ele teria que morrer. E, para conseguir um feito desses, a morte precisaria parecer acidental ou um suicídio.

Field drogou Farquhar, misturando um coquetel de sedativos e alucinógenos comprados na internet em sua comida e bebida. As drogas foram administradas de diversas formas —em sua torrada, chá e em um chocolate. Um vídeo encontrado com Field mostra o acadêmico exausto e com dificuldades de construir frases.

Antes de morrer, Farquhar disse a amigos que estava sofrendo com pesadelos, alucinações e sonambulismo. Alguns de seus amigos pensaram que ele aparentava estar confuso ou bêbado.

Field construiu uma narrativa para explicar o comportamento de Farquhar. Ele disse a amigos que ele estava doente ou que estava bebendo mais que o normal. Os procuradores dizem que Field estava sendo tratado como alguém que lidava com o peso de ter que cuidar de Farquhar.

No tribunal, Field admitiu ter administrado drogas a Farquhar, contando que fez isso porque seu companheiro ficava acordado no meio da noite, ativo pela casa, atrapalhando seu sono.

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Image caption Farquhar às vezes caía depois de ser drogado por Field

Durante meses, devido à “doença misteriosa”, Farquhar consultou vários médicos, inclusive um neurologista, e fez vários testes médicos. Mas Field ligou para o NHS (o SUS britânico) e mentiu para profissionais da saúde, dizendo que o professor aposentado “caía frequentemente” e provavelmente tinha demência.

Ao tribunal, os acusadores disseram que Field praticou “gaslighting” com as vítimas, manipulando os idosos pscologicamente, até que eles duvidassem de sua memória e sanidade.

Field movia coisas pela casa para que Farquhar se irritasse e ficasse confuso quando não as encontrasse. Field, então, chegava e encontrava os objetos imediatamente.

Field teria humilhado Farquhar publicamente no lançamento de um livro, dando-lhe drogas alucinógenas. Ele se aposentou de uma escola pública para escrever romances, e um lançamento atraiu um grande número de amigos. Os que foram contam histórias similares de um homem frágil, confuso escorregando na mesa, com dificuldades para assinar os livros. Em determinado momento, achou que estivesse sendo atacado por raios de luz.

Em outubro de 2015, Farquhar morreu. Ele foi encontrado na sala pela faxineira, com metade de uma garrafa de uísque a seu lado.

Seus amigos acharam que ele tinha bebido até a morte. O médico legista afirmou que sua causa de morte havia sido intoxicação por álcool. Mas, no julgamento, procuradores disseram que Field o sufocou e que ele estava fraco demais para resistir.

Antes de sua morte, Farquhar mudou seu testamento, dando a Field direitos a sua casa. Quando ela foi vendida, ele dividiu o dinheiro com o irmão de Farquhar.

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Image caption Farquhar morava quase ao lado de Moore-Martin

Farquhar havia apresentado Field a Moore-Martin, a senhora de 83 anos. Field a perseguiu da mesma forma, se aproveitando de sua solidão.

Apesar da diferença de idade de 57 anos, eles desenvolveram uma relação sexual. Sem ela saber, ele tirou fotos dela fazendo durante um ato sexual. Ele disse que poderia usar isso para chantageá-la, se precisasse.

Ele deu a ela vários objetos para que ela se sentisse próxima dele, incluindo uma foto dele com as palavras “Estou sempre com você”, que ela colocou em cima da mesa.

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Image caption Moore-Martin ganhou de Field uma foto dele, que deixava sobre sua mesa

Quando ele quis dinheiro,mentiu sobre precisar de um carro e Moore-Martin deu 4,4 mil libras (pouco mais de R$ 20 mil). Ele lhe disse que seu irmão mais novo estava muito doente e precisava de uma máquina de hemodiálise. Era outra mentira, mas ela lhe deu mais 27 mil libras (R$ 128 mil).

Em uma gravação telefônica que foi tocada no julgamento, é possível ouvir Field ligando para o banco de Moore-Martin e passando o telefone para ela, para que ela pudesse pedir para a operadora liberar os fundos.

Ela disse ao banco: “Estou pensando em retirar o dinheiro das minhas contas. Tenho um amigo muito querido, que é irmão de outro amigo querido. Ele está extremamente doente, tem dificuldades renais e pode morrer se não tiver sua máquina de hemodiálise. Estou pensando em como posso ajudá-lo.”

Ela terminou a ligação dizendo: “Na vida, não podemos ser egoístas e ficar com tudo só para nós”.

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Image caption Moore-Martin escreveu carta a Field perguntando onde ele estava

Ele chegou a escrever mensagens no espelho da vítima, que era extremamente religiosa, com esperança de que ela acreditasse que eram mensagens de Deus.

Em seus cadernos, Field planejava as mensagens – como a escrita deveria parecer, o que as mensagens diriam e quais eram as razões para elas aparecerem. Algumas das mensagens diziam para ela deixar sua casa com Field.

Funcionou, e ela mudou seu testamento.

Em fevereiro de 2017, Moore-Martin ficou doente e sofreu uma convulsão. Foi durante seu período no hospital que ela contou para sua sobrinha sobre seu relacionamento com Field e os escritos nos espelhos. A polícia foi acionada e começou a investigar.

Moore-Martin mudou seu testamento novamente, para beneficiar sua família, e em maio de 2017 morreu de causas naturais em uma casa de repouso.

Sua sobrinha, Anne-Marie Blake, disse à corte que antes de morrer, sua tia começou a se dar conta que havia se enganado, sem acreditar que tivesse sido tão tola de acreditar nas mentiras de Field.

“Ela foi torturada por aquilo e achou muito difícil superar a traição”, afirmou.

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Image caption Field deixava mensagens “de Deus” no espelho, como parte de seu plano para que ela o fizesse beneficiário de seu testamento

Ela afirmou que quando conheceu Field na casa de sua tia, depois da internação no hospital, ela o achou esquisito. Ela o confrontou, perguntando se ele tinha pegado coisas da casa de sua tia, aceitado dinheiro dela e tentado mudar seu testamento. Ele disse que sim. Ela também perguntou se ele estava apaixonado por sua tia e ele disse que sim.

Durante o período em que ficou no hospital, Field tentou visitá-la, mas teve o acesso negado. Ele ligou para a polícia e disse: “uma amiga foi admitida no hospital e quando eu ligo para o hospital e tento visitar, os seguranças dizem que eu não posso vê-la. Estou ligando para ver se consigo saber de alguma coisa ou o que foi dito a meu respeito, qual é a situação”.

No tribunal, ele admitiu que fez as ligações para ver o quanto a polícia sabia sobre ele e se ele tinha se dado mal.

A investigação da polícia estabeleceu a ligação entre Field, Moore-Martin e Farquhar. E 19 meses depois da morte de Farquhar pediram a exumação de seu corpo. Um segundo exame estabeleceu que ele havia consumido menos álcool que se suponha e que havia sedativos em seu corpo.

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Image caption Ann Moore-Martin e Ben Field

Um consultor forense disse que Farquhar morreu como resultado dos efeitos combinados de álcool e flurazepam, que pode ter afetado sua respiração. Ele não descarta a possibilidade de que Farquhar tenha morrido sufocado por um travesseiro. A análise também mostrou que ele havia sido repetidamente exposto a lorazepam e outros sedativos nos dois meses antes de morrer.

Field foi preso e houve uma busca em sua casa, onde a polícia achou diários e cadernos com uma lista de nomes de pessoas. A lista foi descrita por Field como a de “pessoas que podiam ser úteis, como alvos de fraude ou de outras maneiras”.

Havia nomes de membros de sua própria família, assim como o nome de Moore-Martin. Livros sobre envenenamento de pessoas e planejamento de suicídio também foram descobertos.

O investigador principal, Glover, disse que Field tinha “imenso prazer na miséria das pessoas e dor, e era tudo sobre ganho financeiro”. Descreveu Field como “um homem cruel”.

Embora tenha negado ter matado os vizinhos, Field admitiu que manteve um relacionamento fraudulento com eles com o objetivo de fazê-los modificar seu testamento. Ele também admitiu ser culpado de fraude contra Moore-Martin para obter seu dinheiro para supostamente comprar carro e máquina de hemodiálise, mas foi absolvido da conspiração de matá-la.

Enfrentou o julgamento ao lado de um amigo, o mágico Martyn Smith, de 32 anos, que foi acusado de homicício, conspiração de homicídio, fraude e roubo. Ele foi inocentado. O irmão mais novo de Field, Tom Field, de 24 anos, também foi inocentado da acusação de fraude.

Ben Field enfrenta agora a possibilidade de passar a vida na cadeia, mas sua convicção inicial de que “escaparia impune da maior parte” do que fez — fala gravada secretamente quando ele estava na parte de trás do carro da polícia — não estava completamente errada.

“Em relação à morte de Peter Farquhar, há boas chances de que Benjamin Field teria escapado da acusação de homicídio se não fossem por suspeitas levantadas depois que Ann Moore-Martin foi removida do controle de Field”, disse o procurador Chris Derrick.

“Na verdade, ele já tinha escapado impune. Foi só por causa de novas investigações forenses que vieram depois da exumação do corpo que fomos capazes de indiciar Field pela morte.”

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Fonte: BBC