Por que Biden cruzou linha perigosa ao dizer que ‘Putin não pode ficar no poder’

  • Anthony Zurcher
  • BBC News

Joe Biden, discursou em Varsóvia, na Polônia

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O presidente dos EUA, Joe Biden, discursou em Varsóvia, na Polônia, no sábado

Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma série de comentários improvisados que elevaram ainda mais a tensão nas relações entre EUA e Rússia.

Sua fala improvisada ao final de um discurso na Polônia no sábado — aparentemente pedindo que o presidente Vladimir Putin seja removido do poder — pode ter tido um efeito maior do que o esperado.

Em seu discurso para funcionários do governo polonês e autoridades reunidas no Castelo Real de Varsóvia, o presidente dos EUA mais uma vez alertou que o mundo estava no meio de um conflito entre democracias e autocracias.

Ele disse que a Otan defenderia “cada centímetro” do solo de seus Estados membros. Ele também prometeu apoio contínuo à Ucrânia, embora tenha observado que os militares dos EUA não se envolverão com as forças russas lá.

Foi um discurso de confronto, mas calculado — alinhado com o que as autoridades americanas, como o secretário de Estado Antony Blinken, vêm dizendo há meses.

Mas logo antes do “obrigado” e “adeus”, Biden acrescentou uma fala sobre seu colega russo: “Pelo amor de Deus, esse homem não pode permanecer no poder”.

“Este discurso — e as passagens que dizem respeito à Rússia — é surpreendente, para usar palavras educadas”, disse o porta-voz da Rússia, Dmitry Peskov. “Ele não entende que o mundo não se limita aos EUA e à parte da Europa.”

Em seguida, os EUA recuaram.

“O argumento do presidente foi de que Putin não pode exercer poder sobre seus vizinhos ou a região”, disse um funcionário do governo Biden nos bastidores. “Ele não estava discutindo o poder de Putin na Rússia ou a mudança de regime.”

A velocidade com que os EUA emitiram seu “esclarecimento” — mais tarde ecoado por Blinken — sugere que os EUA entendem o perigo inerente às palavras de Biden.

Naquele dia, o presidente dos EUA havia chamado Putin de “carniceiro”. Na semana passada, o presidente pareceu se antecipar ao processo diplomático de seu próprio governo ao acusar o líder russo de crimes de guerra. Em ambos os casos, os comentários de Biden provocaram condenações e advertências por parte de Moscou de que as relações diplomáticas EUA-Rússia estavam desgastadas a ponto de se romperem.

Há uma linha entre condenar o líder de uma nação — a retórica às vezes superaquecida da diplomacia — e pedir sua remoção. Era uma linha que tanto os americanos quanto os soviéticos respeitavam mesmo no auge da Guerra Fria. E é uma linha que Biden aparentemente cruzou.

“Mudança de regime” é algo que países poderosos são acusados de impor aos mais fracos — não o que uma nação com armas nucleares exige de outra.

No domingo, até mesmo alguns aliados dos EUA estavam tentando se distanciar dos comentários de Biden.

O presidente francês, Emmanuel Macron, alertou que o presidente dos EUA está colocando em risco as negociações de cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia.

“Queremos parar a guerra que a Rússia lançou na Ucrânia sem escalar [ainda mais a violência]”, disse ele. “Se é isso que queremos fazer, não devemos escalar as tensões — nem com palavras, nem com ações.”

Em Washington, parlamentares também expressaram preocupação. O republicano de Idaho Jim Risch, o principal republicano do comitê de Relações Exteriores do Senado, classificou os comentários de Biden como “gafe horrenda”.

“Meu Deus, eu gostaria que eles o mantivessem seguindo o roteiro”, disse ele. “Sempre que você disser ou mesmo, como ele fez, sugerir que a política era mudança de regime, isso causará um grande problema. Este governo fez tudo o que pode para parar de escalar. Mas não há nada que aumente as tensões mais do que pedir uma mudança de regime.”

Histórico de improvisações

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Biden tem uma propensão bem conhecida para fazer comentários improvisados que o colocam em situações difíceis. No passado ele já prejudicou suas próprias campanhas eleitorais e o governo de Barack Obama, no qual ele foi vice-presidente. Essas frases não são inteiramente sem querer, no entanto. Elas podem revelar o que está no coração de Biden, mesmo que sua cabeça — e as cabeças daqueles ao seu redor — prefiram que ele fique calado.

Isso, às vezes, é um ponto forte na política, escreve Tom Nichols, da revista The Atlantic, permitindo que Biden se conecte autenticamente com as emoções do povo americano. Mas, neste momento atual de crise diplomática — quando palavras mal escolhidas podem levar a reações — elas também são uma fraqueza.

“É difícil culpar Biden por ceder ao seu famoso temperamento depois de falar com as pessoas que sofreram com a barbárie de Putin”, escreve Nichols. “Mas as palavras de todos os líderes mundiais importam agora, e nenhuma delas mais do que as do presidente dos EUA.”

Biden pode acreditar que as relações EUA-Rússia estão danificadas a ponto de não poderem ser mais reparadas enquanto Putin estiver no poder. Dizer isso explicitamente, no entanto, poderia tornar o objetivo imediato dos EUA — acabar com a guerra na Ucrânia enquanto preserva a integridade territorial da nação — mais difícil.

A guerra na Ucrânia não está transcorrendo como Putin queria. Seu exército está emperrado e as baixas estão crescendo. Sua economia está sofrendo sob o peso das sanções econômicas. A Rússia está cada vez mais isolada do resto do mundo.

A situação tem potencial para levar à redução de tensões que vem sendo pedida pelos EUA e seus aliados — mas também pode deixar Putin mais desesperado. E se o líder russo acreditar que seu poder está em jogo e que os EUA têm outros objetivos, a crise pode tomar outro rumo que não em direção à paz.

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Fonte: BBC

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