- Marcia Carmo
- De Buenos Aires para a BBC News Brasil
A empresa de entregas por aplicativo Rappi foi alvo de uma onda de críticas na Colômbia depois de decidir oferecer vacinas contra covid-19 apenas para os “melhores” entregadores no país.
Assim que chegou o primeiro carregamento de imunizantes, obtidos pelo governo e pagos pelo setor privado colombiano, o diretor de Assuntos Públicos da Rappi, Juan Sebastián Rozo, disse à uma rádio local que a empresa vacinaria, de forma seletiva, a 2.000 entregadores. “Nossa prioridade será dar a vacina aos distribuidores que mais entregas fizerem, mais tempo estiverem conectados e, portanto, mais tempo expostos”, disse Rozo à Blu Radio Colombia.
Participante do programa lançado pelo governo do presidente Iván Duque para a vacinação de trabalhadores em parceria com o setor privado, Empresas pela Vacinação, a Rappi acabou acusada de discriminação, de mercantilizar a saúde e de adotar práticas antiéticas.
“Pedalar por uma vacina: a cruel proposta Rappi para imunizar trabalhadores colombianos”, afirmou a emissora de rádio AM 750 ao tratar do caso. O jornal El Tiempo, de Bogotá, ressaltava que as regras estabelecidas pelo Ministério da Saúde determinavam que “nenhuma pessoa que tenha algum vínculo contratual ou de trabalho em vigor e habite territorial nacional poderá ser excluída” da vacinação.
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Saúde e Proteção Social da Colômbia, Fernando Ruiz Gómez, disse ter acionado uma das câmaras empresariais do país, responsável por levantar o dinheiro para a compra das vacinas, para criticar os planos da Rappi e cobrar mudanças.
“A Rappi estava desobedecendo as normas. Comprou (4.000) vacinas para vacinar 2.000 de seus 60 mil empregados, mas e falamos com eles. Ou devolvem as vacinas (ao governo) ou devolvem à câmara ou as doam, mas eles não podem vacinar uns sim e outros, não. Isso significa atender ao princípio de solidariedade e a vacinação de todos os empregados da empresa. Não podem selecionar uns e outros não para serem imunizados. Isso gera privilégios. Ou vacinam todos ou não vacinam ninguém””
As doses compradas pela Rappi seriam aplicadas em parte dos trabalhadores das principais cidades colombianas: Bogotá, Medellín, Cali e Barranquilla.
Para o ministro, a situação acabou servindo de alerta para a possível intenção similar de outras empresas. “Manifestamos nossa surpresa à câmara empresarial e notificamos que não estavam sendo cumpridas as normas legais colombianas. E que. por desrespeitar as normas do ministério, poderiam estar sujeitas a sanções e que era um problema grave para a reputação do setor privado.”
Em comunicado, a Rappi pediu desculpas. “Lamentamos que uma iniciativa pautada pela preocupação decorrente de uma emergência sanitária mundial tenha sido mal interpretada e pedimos desculpas pelo mal-entendido”, disse. Disse ainda que “apoia os entregadores parceiros que estão mais expostos à contaminação e não pertencem ao grupo prioritário na Colômbia”.
As críticas não foram unânimes. O presidente da Associação Colombiana de Infectologia, José Oñate, elogiou à BBC News Brasil a parceria público-privada de vacinação contra a doença que matou mais de 100 mil pessoas no país.
“Todas as iniciativas para ampliar e acelerar a vacinação nessa tarefa titânica contra o coronavírus devem ter apoio e respeito. As empresas investem nas vacinas e o dinheiro público fica um pouco mais livre para a compra de ainda mais doses.”
Para Oñate, a Rappi não cometeu erros nos critérios adotados para vacinar entregadores ligados à empresa. “A logística corresponde a cada empresa. E a maior exposição de uma pessoa justifica que ela seja logo vacinada. O plano nacional de vacinação já contemplou as pessoas com maior risco de saúde.”
A compra direta de vacinas pelo setor privado foi tentada em vários países da região, como o Brasil, o México, o Peru e a Argentina. Mas as principais fabricantes de vacina do mundo estabeleceram como regra que não venderiam imunizantes ao setor privado enquanto não atendessem a demanda dos governos.
O Brasil chegou a autorizar a aquisição pelo setor privado, com regras específicas que incluíam doação ao país de parte dos imunizantes comprados, mas isso não saiu do papel justamente por falta de vacinas disponíveis.
No caso da Colômbia, o ministro da Saúde e Proteção Social explicou que houve uma triangulação formal entre governo, empresas e fabricantes com o objetivo de “acelerar” o ritmo de vacinação por meio de um número limitado de doses ao setor privado.
Segundo o ministro, a parceria público-privada envolveu 5.200 empresas e 3,5 milhões das 74 milhões de doses da farmacêutica chinesa Sinovac (fabricante da Coronavac) previstas para o país até o fim do ano. Até o momento, 22% da população colombiana, de quase 50 milhões de pessoas, receberam ao menos 1 dose da vacina. Em comparação, no Brasil essa taxa é de 36% dos 212 milhões de habitantes.
“Como a vacinação na Colômbia começou em fevereiro, depois do Brasil e da Argentina, nosso objetivo, ao conseguir concretizar a aliança com o setor privado, foi acelerar o processo de vacinação.” O montante destinado a pequenas, médias e grandes empresas será totalmente entregue até o fim de julho.
Como no Brasil, a aquisição de vacinas pelo setor privado gerou um debate sobre a eventual desigualdade dessa estratégia, em vez de concentrar todos os esforços no setor público.
Em documento divulgado neste ano, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da ONU nas Américas, defendeu o financiamento público da aquisição de vacinas. Para Jarbas Barbosa, médico sanitarista e epidemiologista brasileiro que atua como diretor-assistente da Opas, a distribuição de vacinas compradas pelo setor privado poderia ampliar ainda mais as desigualdades que a pandemia de coronavírus tem exposto.
Para o ministro colombiano, é muito difícil para o poder público fiscalizar a distribuição dessas vacinas pelas empresas, mas disse que a legislação prevê sanções duras para aquelas que descumprirem as regras acordadas. “Mas além disso há o compromisso e a reputação para que seja respeitado o acordado”.
Questionada pela BBC News Brasil se devolverá ou doará as doses, conforme informado pelo governo colombiano, a Rappi disse: “Estamos totalmente convencidos de que podemos ajudar de alguma maneira. O investimento nas vacinas é um fato e isso não mudará de forma alguma. Se houver alguma alteração na logística e no formato desse apoio, anunciaremos no devido prazo e com transparência para toda a sociedade”.
Em comunicado sobre o episódio, a empresa de entregas afirmou ainda: “Nosso único propósito de participar do ‘Empresas pela Vacinação’ é ajudar a conter o contágio e contribuir para o fortalecimento das estratégias de saúde pública da Colômbia. Temos orgulho de contribuir de alguma forma para voltarmos à normalidade o mais rápido possível nos termos em que a lei nos permitir”.
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Fonte: BBC