Como será aplicada e quais serão os impactos da nova regra de “cobrança pública” para os imigrantes?

Carnês do food stamps. Imagem: fee.org

Entrou em vigor na segunda-feira, dia 24, a “Inadmissibility on Public Charge Grounds” – uma nova regra do United States Citizenship and Immigration Service (USCIS) sob a qual imigrantes de baixa renda que moram legalmente no país, mas que usufruem de benefícios públicos – ou que podem vir a precisar deles um dia -, terão visto ou green card negado. Mas afinal, como funciona e quais serão os impactos reais que essa nova regra terá sobre os imigrantes?

Benefícios públicos não são incentivos para a imigração

A política de imigração dos Estados Unidos entende que “a disponibilidade de benefícios públicos não constitui um incentivo à imigração para os Estados Unidos”, cita o USCIS.

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Por isso, pela nova regra, os imigrantes que moram legalmente nos EUA sob visto de estudante ou de trabalho, por exemplo, mas que precisam usar food stamps (vale-refeição), financial assistance for housing (vale-moradia), Supplemental Social Security Income (renda suplementar de seguridade social) e Medicaid (seguro de saúde) não serão elegíveis para conquistar o status de residente permanente por serem considerados um encargo financeiro para os EUA.

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Quem é encargo público?

Aqueles que correm maior risco de serem considerados um encargo público são indivíduos que procuram ajustar seu status de green card por meio de um pedido de cônjuge ou família, incluindo aqueles sob Temporary Protected Status, e que não conseguem provar que possuem renda suficiente para viver no país sem depender de algum benefício do governo.

Somente para residência permanente

Os pedidos para a cidadania não estão sujeitos ao regulamento de “cobrança pública”, somente pedidos para visto, residência permanente (green card), extensão ou mudança de status como não-imigrante. Para a análise, o USCIS considerará se os candidatos receberam assistência pública por mais de um ano nos três anos anteriores, a fim de determinar se o candidato pode ganhar status legal. O tempo anterior ou menor de uso dos benefícios não será contabilizado.

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Mas, se o agente que for analisar o processo prever que o novo requerente um dia precisará de assistência do governo para sobreviver, o pedido será negado e, dependendo do caso, os procedimentos de deportação podem até ser iniciados.

Francilene Graham abriu mão dos benefícios em 2018 para obter o green card. Foto: arquivo pessoal.

“Pelo green card, retiramos imediatamente os benefícios”

Francilene Graham mora em Orlando e conseguiu o green card no ano passado. Ela conta que, embora tenha sido oferecido, evitou usar qualquer benefício justamente por causa das mudanças na regra.

“Consegui o meu Green Card e de meus filhos em setembro de 2019. Quando chegamos aqui, em dezembro de 2018, ao matricular as crianças na escola nos ofereceram o benefício para eles comerem gratuitamente e nós não sabíamos que isso podia impactar no processo de imigração. Quando descobrimos, retiramos imediatamente o benefício das crianças e mandamos dinheiro para eles se alimentarem todos os dias. Mesmo assim, na escola da minha filha continuam oferecendo a gratuidade para ela mas não deixo ela aceitar’, relata.

Além da alimentação, para a saúde Graham conta que também lhe foi ofertado, mas pediu para mudar. “Também tínhamos um seguro saúde com um custo mais barato e eu conversei com a corretora do seguro e ela falou que tínhamos benefício neste plano. Eu pedi para que também fosse retirado e o plano dobrou o valor” conta.

Como conselho para quem se enquadra na situação, ela diz que “é melhor não ter nenhum tipo de benefício pois a lei é clara e se você tem qualquer tipo de benefício, terá impacto no processo de imigração”. E finaliza dizendo que na entrevista na imigração uma das perguntas mais persistentes foi exatamente “ se tínhamos ou pretendíamos ter algum benefício do governo. É melhor não correr o risco!”.

Impacto financeiro para as famílias

Dessa forma, a mudança vai atingir o lado financeiro de um candidato à residência permanente ou cidadania. Uma família de quatro pessoas teria que ganhar duas vezes mais dinheiro – US $ 60.000 – em comparação com o limite de renda anterior do governo de cerca de US $ 32.000, de acordo com o USCIS. “A autossuficiência tem sido um princípio básico da lei de imigração dos EUA desde os primeiros estatutos de imigração de nosso país. Desde o século XIX, o Congresso estabeleceu que os estrangeiros são inadmissíveis para os Estados Unidos se não puderem cuidar de si mesmos sem se tornarem encargos públicos”, afirma o órgão de imigração.

O USCIS anunciou que aplicará a regra final a todos os pedidos e petições postados (ou, se aplicável), enviados eletronicamente no dia 24 ou depois dele. Para solicitações e petições enviadas por correio comercial (por exemplo, UPS, FedEx ou DHL), vai valer a data do carimbo postal.

Toda regra tem exceção

Mas, como toda regra tem exceção, muitos programas públicos não entram na nova regra, como:

  • Medicaid para mulheres grávidas ou crianças com menos de 21 anos, bem como Medicare Parte D e alimentação escolar;
  • Também pessoas em tratamento de uma “condição médica de emergência”; bem como serviços ou benefícios fornecidos em conexão com a Lei de Educação de Indivíduos com Deficiências também não serão contados;
  • Asilados, refugiados, vítimas de tráfico e vítimas de violência doméstica estão isentos da regra, assim como indivíduos que tiveram ajuda concedida nos termos da Lei de Ajuste Cubano, da Lei de Ajuda da Nicarágua e da América Central e da Lei de Imigração e Imigração do Haiti;
  • O DHS não considerará o recebimento de benefícios públicos (conforme definido na regra final) por um estrangeiro que (no momento do recebimento ou da apresentação ou adjudicação do pedido de admissão\ajuste de status, extensão de permanência ou mudança de status) que esteja alistado nas forças armadas dos EUA ou está cumprindo serviço ativo ou em qualquer um dos componentes da Reserva Pronta das forças armadas dos EUA;
  • O DHS também não considerará o recebimento de benefícios públicos pelo cônjuge e filhos de tais membros dos serviços descritos acima.

Elda Carneiro precisou usar benefício do governo para alimentação durante o estágio. Foto: arquivo pessoal.

“Precisei usar durante o estágio”

Não saber se vai precisar e ter que contar com o benefício público foi o que aconteceu com a paulista Elda Carneiro, que mora em North Miami Beach e precisou usar o vale-alimentação (food stamp) por alguns meses no ano passado.

Estudante de enfermagem, Carneiro se divorciou e arca sozinha com as despesas da casa. “Mesmo sendo só eu e meu filho de 12 anos, como tive que fazer o estágio, isso apertou pra mim porque eu não podia trabalhar aos finais de semana naquele período”, conta. Como ficou difícil para conseguir cobrir as despesas da casa, Carneiro recorreu ao benefício por três meses. “Foi só o tempo que eu fazia o estágio no hospital. Eu expliquei para eles que estava estudando e a carga horária estava puxada. Isso estava refletindo nas despesas. Foram 150 dólares para meu filho e 150 dólares para mim por mês. Assim que eu voltei a trabalhar, não renovei”, esclarece.

Apesar de ter usufruído do benefício recentemente, por ter sido por pouco tempo e por já ser residente permanente, Carneiro não terá problemas e sua solicitação para a cidadania que está em andamento corre normalmente.

Imigrantes autossuficientes

As autoridades federais defendem que a nova regra “garantirá que os estrangeiros que procuram entrar e permanecer nos EUA – temporária ou permanentemente – sejam autossuficientes e confiem em suas próprias capacidades e nos recursos de familiares, patrocinadores e organizações privadas, em vez de fazerem uso de recursos públicos”.

“Continua sendo a política de imigração dos Estados Unidos que os estrangeiros dentro das fronteiras da nação não dependam de recursos públicos para atender às suas necessidades, mas confiam em suas próprias capacidades e recursos de suas famílias, patrocinadores e organizações privadas ”, esclarece o USCIS.

22 milhões de pessoas afetadas

Aproximadamente 544.000 pessoas solicitam green cards anualmente. Segundo o governo, 382.000 estão em categorias que os sujeitariam à nova revisão.

Ativistas apontam que a medida deve afetar cerca de 22 milhões de não-cidadãos americanos que moram nos EUA e usufruem de vale-alimentação, saúde pública e outros serviços sociais que não poderão obter o Green Card e, consequentemente, a cidadania americana.

Segundo o Conselho Americano de Imigração, havia cerca de 4,1 milhões de pessoas que não eram cidadãs morando na Flórida em 2017, e 26% delas – cerca de 1,2 milhão – usaram algum tipo de benefício público, de acordo com o Miami Herald.

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Fonte: Gazeta News