Abaixo o tabu: pizza no almoço!

Esta semana abriu em São Paulo, e fui visitar, uma nova pizzaria e forneria chamada Foglia, no bairro da Vila Nova Conceição. Fica no espaço, remodelado e agora mais caloroso, do antigo Kurah (que, por sua vez, transferiu-se para Pinheiros), dos mesmos donos.

A expertise pizzaiola está a cargo do chef Franco Ravioli (que se notabilizou durante anos com sua rede Pizza Bros.) e seu filho Lorenzo, que se debruça também por outros itens italianos do cardápio.

Fiquei curioso em saber se o belo forno a lenha estaria também em ação durante o dia, já que a informação era de que a casa funcionaria também no almoço. A resposta é “não”. Durante o almoço haverá um bufê de saladas, opções diárias de pratos quentes de extração italiana, sugestões leves e sobremesas que passam longe do portentoso forno.

Ocorreu-me, uma vez mais, como é curiosa a idiossincrasia que repele certos alimentos em certas horas do dia, sem muita lógica, ou até contra a lógica mais comezinha. São Paulo orgulha-se de sua íntima relação com a Itália, e pela excelência de tantas pizzarias. Mas se há tanta ligação das culturas alimentares, por que não se come pizza também no almoço, como lá?

Vêm-me à cabeça as imagens de tanta gente –a começar por meus filhos– que vibra com a ideia de ter nacos de pizza (mesmo fria!) logo pela manhã… então, se vale para o café da manhã, por que não enfrentar a pizza fumegante, saindo do forno, no almoço?

É porque nenhum restaurante oferece? É porque os ansiosos pela pizza da manhã não acorreriam às pizzarias abertas ao meio-dia, mesmo que as houvesse? Talvez os dois motivos alimentem este tabu alimentar (mas não o explicam).

Certamente não se trata de uma escolha imperiosa da natureza humana, tanto que, na Itália, não apenas se encontra pizza para almoçar, como é habitual também ver pessoas que as comem a qualquer hora –lembro bem a imagem de crianças, em uniforme escolar, caminhando pelas ruas com suas fatias retangulares na mão.

Também no hemisfério sul, e bem aqui na vizinhança, temos outra cidade que, como São Paulo, é muito marcada pela migração italiana, e onde pizza é muito bem-vinda também no almoço: Buenos Aires. Então é difícil entender por que, tão próximos que somos dos portenhos, herdamos de forma diferente uma mesma tradição gastronômica.

Chega a ser curioso ver pessoas saindo das academias e comendo um “almocinho leve”, uma saladinha com um grelhado (na verdade, uma fritura na chapa fingida de grelhado), e guardando a pizza para… o jantar.

Quando fisiologicamente (para quem quer manter a forma de estátua grega), o melhor seria o contrário –entupir-se de carboidrato durante o dia, e deixar a tal saladinha para a noite, pois pizza, macarrão, arroz e quejandos, consumidos no fim do dia, é que sabotam todo o suor deixado no bolso dos donos de academia.

Falo tanto do fenômeno da pizza, mas não é o único no mundo que me intriga. Nunca vou entender, por exemplo, por que no Peru, num tabu invertido, só se come ceviche no almoço.

Sim, o prato é uma glória nacional, chega a ser uma atração turística do país; no entanto, teime o turista em chegar ao país no meio da tarde, e prepare-se para encontrar todas as cevicherias com as portas arriadas.

Se quiser consolar-se com um peixe cru (ou quase), o visitante poderá socorrer-se em restaurantes japoneses, lá conhecidos como nikkey; mas, para o glorioso ceviche, terá de esperar pelo almoço do dia seguinte.

À noite, se quiser cozinha típica, mesmo que seja um atleta zeloso do equilíbrio de sua massa corpórea, lhe restarão pratos como, por exemplo, a causa, delicioso purê de batatas recheado, uma bomba de carboidrato para inundar seu paladar e invadir sua noite com pesadelos de culpa.

Vai entender.

Fonte: Folha de S.Paulo

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