Em tempos de coronavírus, turista que não quiser adiar voo tem direito a pedir reembolso

Consumidores têm encontrado dificuldades na hora de cancelar ou remarcar viagens não realizadas em razão da disseminação do novo coronavírus pelo mundo.

O maior número de reclamações registrado pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) está relacionado a passagens, diz Igor Marchetti, advogado do órgão.

“As empresas têm colocado impedimentos para o cancelamento da passagem, oferecendo só a remarcação. Isso é insuficiente, porque o consumidor não é obrigado a aceitar uma nova data”, afirma.

Na visão do Idec, qualquer viagem marcada para depois de 11 de março, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou que há uma pandemia de Covid-19, pode ser cancelada com devolução integral do valor pago —inclusive no caso de voos nacionais.

Antes disso, esse direito era garantido apenas àqueles que viajariam a países considerados de alto risco pela OMS, de acordo com Marchetti.

O Procon-SP também entende que o passageiro pode cancelar o voo sem que haja cobrança de taxa. “De todos os direitos do consumidor, os direitos à saúde e à segurança são os mais importantes”, diz Fernando Capez, diretor-executivo do órgão.

Ele afirma que o Procon está em conversa com as empresas com o objetivo de reduzir o número de casos encaminhados ao Judiciário. “Não adianta num momento de crise ter posturas radicais.”

Com viagem programada para 27 de março, a coach Isabella Brancher, 56, ainda não conseguiu contato com a Latam para saber se poderá trocar sua passagem, de São Paulo a Paris, comprada com milhas. A companhia está priorizando o atendimento de passageiros com voos marcados para as próximas 48 horas.

A coach aceita adiar a viagem, mas quer agendá-la para o mesmo período do ano que vem. No site da empresa, ela viu que a data limite para remarcação é 31 de dezembro de 2020.

“Não sei se a situação vai estar resolvida até setembro e em novembro e dezembro já vai estar muito frio nos países pelos quais vou passar”, diz.

Procurada pela Folha, a Latam afirmou que as flexibilizações anunciadas pela companhia nos últimos dias são válidas também para bilhetes emitidos com pontos. “Caso a viagem não se encaixe nas políticas de flexibilidade, o cliente pode pedir o reembolso de acordo com as regras do bilhete”, diz a nota da companhia.

Já em relação à remarcação, a Latam confirma que ela poderá ser feita sem custo extra até 31 de dezembro. O voo poderá ser adiado para depois desta data, mas estará sujeito à aplicação das regras da tarifa e à validade do bilhete.

Segundo o advogado Igor Marchetti, as companhias aéreas têm direito de fixar um prazo para o reagendamento e também de cobrar taxas extras pela mudança, por conta de necessidade de adequações de tarifa. O consumidor, no entanto, não é obrigado a aceitar essas condições, podendo, assim, pedir a devolução integral do valor pago.

Além de passagens aéreas, muitos consumidores enfrentam ainda problemas para cancelar a hospedagem.

É o caso da administradora de empresas Carla Martinho, 43, que participaria de um festival de cultura e tecnologia em Austin, nos Estados Unidos, de 13 a 22 de março.

Ela deixou para fazer a reserva no hotel Hyatt Place Austin Downtown no dia 4 de março, depois de verificar que o evento tinha sido confirmado. No momento da compra, intermediada pela Expedia, ela foi notificada de que não teria direito a cancelamento.

Dois dias depois, chegou por email o comunicado de que o evento havia sido suspenso em razão da Covid-19.

Carla afirma que, então, tentou negociar com as duas empresas. Sugeriu que pelo menos tivesse um crédito no valor pago (R$ 12.489) para usar na rede de hotéis ou a restituição de metade do montante. Depois de diversas tentativas, recebeu resposta negativa das duas companhias.

Por meio de nota, a Expedia afirmou que segue as políticas de seus parceiros, “o que significa que qualquer crédito, reembolso ou alteração fica a critério da companhia aérea, hotel ou outro provedor de viagens”. Segundo o Hyatt, poderão ser canceladas ou alteradas sem cobrança as reservas feitas antes de 13 de março com chegada entre 14 de março e 30 de abril —o que não inclui a situação de Carla.

De acordo com Marchetti, a suspensão de um evento por si só não é motivo para que empresas de turismo sejam obrigadas a abdicar de sanções previstas no contrato, a não ser que esteja relacionada ao risco de contágio pelo novo coronavírus naquele país.

Além disso, todas as empresas envolvidas na venda do serviço turístico podem ser acionadas para restituir o consumidor. “A agência tem que cobrar de quem ela comprou, porém quem fornece o serviço, vende, divulga ou capta o cliente também é responsável. Todos têm responsabilidade e podem ser cobrados”, afirma Fernando Capez.

Como fazer uma reclamação

O consumidor que desejar formalizar uma reclamação contra um prestador de serviço pode procurar o Procon-SP, se for morador do estado de São Paulo. Residentes de outros estados devem procurar o Procon da sua unidade federativa.

O Procon-SP recomenda que as reclamações sejam feitas pela internet, diretamente no site da entidade ou pelo aplicativo Procon.SP.

No aplicativo, assim que a plataforma é aberta é possível ver uma faixa sobre o coronavírus. O consumidor pode fazer por ali as reclamações que tenham relação com a pandemia.

Pelo site, é preciso entrar em consumidor.procon.sp.gov.br e fazer um cadastro para entrar no sistema. Então, será possível ver um botão que redireciona para a área de reclamações relacionadas à doença.

As reclamações pela internet e aplicativo podem ser feitas de segunda a sexta, das 8h às 18h, e devem ser respondidas em até 15 dias.

O Procon-SP também oferece orientação pelo telefone, para residentes na capital. Basta digitar 151, de segunda a sexta, das 8h às 17h. Não é possível registrar reclamações por esse canal.

Fonte: Folha de S.Paulo