Saber cozinhar pode salvar sua vida na pandemia

Escrevo esta coluna isolado em meu apartamento. Estou apenas gripado –aparentemente–, mas não faz sentido contribuir para piorar o que já está bem ruim. O coronavírus chegou chegando e não dá sinais de que vá embora tão cedo.

Sozinho em casa, cozinho. Como faço quase todas as noites (no almoço, gosto de dar uma olhadela no mundo lá fora). Para mim, a coisa mais tranquila e natural do mundo. Imagino que, para a maioria das pessoas, não seja bem assim.

A humanidade é dependente dos cozinheiros. Dominar a cozinha é uma vantagem evolutiva que, no limite, pode decidir quem vive e quem morre.

Vale para a cadeia. Vale para a guerra. O sujeito que tem o dom de preparar uma comida decente recebe tratamento preferencial. Mesmo que seja da falange inimiga.

Percebo agora que o talento culinário é ainda mais importante na peste. Especialmente em situações como a atual, em que os indivíduos são encorajados a se isolar completamente.

Sem querer parecer catastrofista demais, comer fora não é uma opção segura para ninguém nestes dias. Restaurantes, ainda que brilhantes de tão limpos, são caldos de cultura da pestilência.

Alguém deixou rastros na mesa em que você vai se sentar. As pessoas que trabalham no serviço mexem em talheres, copos, guardanapos e –o mais relevante– estão em contato com uma multidão de clientes e fornecedores o tempo todo.

Lavaram direitinho as mãos? Tossiram sobre a salada? Deram aquela limpada discretíssima no nariz?

Já na cozinha do restaurante, você não sabe o que acontece. (Dica: acontecem as piores coisas possíveis e imagináveis, ou você não vê o Jacquin na TV?)

Confiar no bom senso alheio denota ingenuidade, se não uma ponta de estupidez. O lavador de pratos que acordou com febre não vai ficar em casa para proteger a clientela. Ele pensa na própria sobrevivência e não está errado. Se faltasse ao serviço e tivesse um resfriado comum, no mínimo perderia a confiança do patrão. E o patrão mantém o negócio aberto porque também teme pelo próprio sustento. Tampouco está errado.

Como se não bastasse, você, e não os outros, pode ser o vetor de contágio. Acontece até nas piores comitivas presidenciais. Não seja um babaca egoísta.

Pedir comida por aplicativo não refresca grande coisa, muito pelo contrário. Se você não tem controle sobre o que ocorre num restaurante, imagine numa dark kitchen qualquer.

Resta, portanto, preparar as próprias refeições. Você, cara a cara com você mesmo(a), o fogão e as panelas. E o que quer que haja para comer na sua casa.

É aí que saber cozinhar pode salvar a sua vida em meio à pandemia de coronavírus.

“Ain, mas eu me viro com um miojo.” Fiquei sem argumentos. Se você chama isso de vida, azar o seu.

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Fonte: Folha de S.Paulo