‘Coach’ de prisão: os consultores que ajudam ricos com a vida atrás das grades

Agentes na entrada do Campo Prisional de Alderson, onde Martha Stewart se entregou em outubro de 2004Direito de imagem Getty Images
Image caption Agentes na entrada do Campo Prisional de Alderson, onde Martha Stewart se entregou em outubro de 2004

Quando os ricos deixam uma mansão de luxo para viver em um presídio, às vezes recorrem a consultores especializados em lidar com os problemas da vida atrás das grades.

Nos Estados Unidos, por exemplo, algumas das celebridades que receberam consultoria sobre a vida na prisão são a apresentadora de TV e empresária Martha Stewart, o ex-investidor Bernie Madoff e os jogadores de futebol americano Michael Vick e Plaxico Burress.

Esses consultores podem ajudar com todo o processo, desde a acusação até a sentença, por meio da revisão do caso, da solicitação de vantagens e benefícios e até atendendo ligação, no meio da noite, de familiares do preso.

O trabalho é oferecido com preços que variam de algumas centenas de dólares até mais de US$ 100 mil (o equivalente a quase R$ 400 mil).

“Quando você é preso, perde o controle da sua vida”, diz Larry Levine, consultor de prisão, à BBC. “Quando me contratam, posso ajudá-los a saber quais são seus direitos e o que podem fazer para recuperar o controle.”

Levine trabalha na área há anos, mas ele também cumpriu pena por uma década em todos os tipos de prisão federal no país.

“Eu não vou dizer a eles o que poderia acontecer. Vou dizer o que realmente acontece e por quê.”

Levine disse à BBC que foi contratado por pessoas envolvidas no escândalo de fraude para admissão em faculdades nos Estados Unidos, no qual mais de 30 pais ricos, entre eles estrelas da televisão, são acusados de comprar vagas nas instituições mais respeitadas do país para seus filhos. As atrizes Felicity Huffman e Lori Loughlin estavam entre os pais acusados.

Entre os ex-clientes de Levine, estão um juiz acusado de roubar dinheiro e uma autoridade do governo que fez desvio de verba. Ele estima que, hoje, 75% dos clientes são referentes a crimes de colarinho branco e 25% são acusados de crimes ligados a drogas.

“Quando essas pessoas me procuram, elas estão mal. Eu faço o controle de danos”, diz. “Eu sou um misto de psicólogo, conselheiro matrimonial, treinador de vida e padre.”

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Image caption Larry Levine diz que é um misto de psicólogo, conselheiro matrimonial, treinador de vida e padre

Mitos e terminologias

Muitas das recomendações de consultores para clientes estão focadas em desmistificar os passos do tribunal até a cela da prisão: aprender as terminologias, a sequência de eventos e o que esperar das diferentes instituições e dos programas de redução de pena.

O trabalho também está muitas vezes relacionado a encontrar a melhor estratégia para cada acusação – quando é melhor aceitar um acordo judicial ou quando o mais indicado é ir a julgamento.

Alguns dos consultores que a BBC entrevistou expressaram uma desconfiança em relação aos advogados que, segundo eles, muitas vezes deixam faltar alguma coisa – por exemplo, não explicam as opções dos clientes sem usar jargões.

Quando se trata de clientes mais ricos, muitos têm procurado uma experiência mais personalizada.

O consultor Justin Paperny, da White Collar Advice, diz que duas famílias do escândalo de admissão nas universidades com as quais está trabalhando procuram orientação sobre como conseguir a melhor sentença possível.

“Os juízes querem ouvir os réus, então nós os ajudamos a formular, com suas próprias palavras, por que eles são dignos de uma pena mais curta”, diz Paperny.

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Image caption A atriz Lori Loughlin e seu marido Mossimo Giannulli deixam o Tribunal John Joseph Moakley em Boston, nos Estados Unidos, em abril

Depois que o julgamento é feito e a sentença é divulgada, garantir a ida para uma boa prisão é fundamental — e faz parte dos programas oferecidos por esses consultores.

Pessoas em situação como os pais acusados de fraude e suborno para admissão dos filhos em faculdades nos Estados Unidos, ou Michael Cohen, ex-advogado de Donald Trump, geralmente vão para prédios de segurança mínima, que muitas vezes nem são totalmente cercados e são divididos em dormitórios, em vez de celas.

Michael Frantz, diretor da Jail Time Consultin, que passou 36 meses em uma prisão federal, ajuda os clientes a apresentarem pedidos por locais que permitam a maior liberdade possível, além de levar em conta as preferências pessoais do cliente.

“Se ele gosta de fazer exercício, não quer ir para um campo em que ele não pode se exercitar”, diz. “Se ele quer ficar sozinho e ler, isso tem que ser levado em consideração. Se ele quer um determinado tipo de alimento, então procuramos por esses locais – e eles existem.”

Michael Cohen, por exemplo, está cumprindo sua pena no campo de Otisville, uma instalação no interior do Estado de Nova York conhecida por refeições kosher (que obedecem a preceitos do judaísmo) e serviços judaicos.

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Image caption Michael Cohen deixou Manhattan para começar a cumprir uma sentença de três anos por fraude, evasão fiscal, financiamento ilegal de campanha e mentiras ao Congresso.

O conselho para os condenados ricos é sempre o mesmo: uma vez presa, a pessoa deve manter a cabeça baixa e se acostumar a não ter o que deseja.

Os clientes relacionados a crimes de colarinho branco têm mais medo de agressão e não conseguem manter contato com a família, segundo os consultores.

Mesmo que eles cumpram pena em locais mais seguros, tensões raciais e políticas estão presentes e há códigos de conduta a seguir.

“Mostre respeito. Não fure a fila para o telefone. Não estenda a mão sobre a bandeja de comida de alguém”, aconselha Levine. “Eu vi pessoas sendo espancadas por isso porque é uma etiqueta ruim.”

‘Fora do radar’

No caso de Michael Cohen, por exemplo, Frantz diz que ele precisa ter cuidado com os defensores de Trump e tentar ficar “fora do radar”.

“Os amantes do Trump não vão dar sossego a esse cara”, diz Frantz. “As coisas acontecem no meio da noite: a urina é derramada sobre você, os detentos te seguram e jogam fezes em você. Acontece o tempo todo.”

É preciso ter cuidado para não entrar em conflito com os agentes da prisão, já que isso pode trazer sérias consequências.

Frantz conta que cumpriu sua pena em um campo de segurança mínimo, mas que, quando os agentes diziam que ele se comportava mal, era enviado para uma cela de concreto, onde ficava com outro preso, sem poder sair por 91 dias.

Paperny diz que os serviços dele variam de US$ 9 (ou R$ 35), para comprar o livro dele, a US$ 100 mil (quase R$ 400 mil), para escrever livros para clientes, construir a marca deles ou administrar os negócios estando na prisão.

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Image caption Justin Paperny

Frantz também oferece programas semelhantes, incluindo cuidados com a reputação, redução de pena e um curso básico de “como sobreviver na prisão”.

O curso é a opção mais barata, no valor de US$ 495 (ou R$ 1.945). O pacote exclusivo que inclui todos os programas e acesso direto, 24 horas, a Frantz, custa US$ 35 mil (R$ 138 mil).

“Eles não querem correr risco e têm dinheiro”, diz ele sobre os clientes que escolhem o pacote completo. “Eles gastaram cerca de US$ 1,5 milhão com advogado, então o que é mais US$ 35 mil?”

Questionados sobre a ética do trabalho, os consultores entrevistados pela BBC disseram que fazem o melhor para ajudar todos os clientes, não apenas os que podem pagar pelo pacote completo de serviços, e todos dizem que se envolvem em trabalhos voluntários.

Levine disse que vai ouvir, de graça, o caso de alguém antes de começar a prestar o serviço. Frantz disse que tenta manter a maioria dos cursos abaixo de US$ 2 mil (quase R$ 8 mil) e oferece planos de pagamento sem juros. Paperny diz que a empresa dele também administra um programa de treinamento gratuito para prisioneiros na Califórnia que é pago pelo departamento federal de prisões.

Mesmo assim, o preço do trabalho deles ainda é muito mais alto do que a maioria dos presidiários pode pagar.

“Sim, as taxas podem ser o que alguns consideram caro”, admite Paperny. “Mas, francamente, é um investimento.”

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Fonte: BBC