Coronapas, o ‘passaporte’ contra covid que está ajudando a Dinamarca a reabrir na pandemia

  • Adrienne Murray
  • Da BBC News em Copenhague

Cadeiras e mesas preparadas para jantares ao ar livre em restaurante em Aalborg, Dinamarca

Crédito, EPA

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A partir de quarta-feira, dinamarqueses poderão comer dentro e fora de restaurantes e bares

Torcedores de futebol poderão voltar aos estádios, enquanto bares, restaurantes e museus reabrem em um grande passo dado pela Dinamarca em direção ao fim das restrições impostas para conter o coronavírus. A grande condição para os dinamarqueses aproveitarem essas novas liberdades é provar que estão livres de infecções.

Assim surge o coronapas, ou “passaporte corona”.

Trata-se de um aplicativo para telefones que mostra se você teve um resultado negativo nas últimas 24 horas, um certificado de vacinação ou uma prova de infecção registrada entre duas e 12 semanas antes. O passaporte também pode ser de papel, se necessário.

Certificados digitais são vistos como o caminho escolhido pela Europa para sair do lockdown, e a União Europeia quer ter este esquema funcionando em todos os seus 27 estados-membros até o fim de junho.

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O passe dinamarquês geralmente é mostrado pelo telefone celular, mas um certificado em papel é permitido

Preocupações com a privacidade tornaram este modelo controverso em alguns países, mas a Dinamarca está entre os primeiros a abraçar a ideia totalmente.

Por que a Dinamarca está deixando o confinamento?

Diferentemente de boa parte da Europa, o país escandinavo foi bem-sucedido em evitar uma terceira onda da doença e começou agora relaxar o lockdown que havia começado em dezembro.

As taxas de infecção e mortes na Dinamarca estão agora entre as mais baixas da Europa e autoridades acreditam que o coronavírus está sob controle.

“Podemos abrir mais agora na Dinamarca e isso é o oposto do que muitos outros (países) estão vivendo”, disse a primeira-ministra Mette Frederiksen quando os planos de reabertura foram revelados, no mês passado.

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Primeiro-ministra da Dinamarca estabeleceu um plano para o país se abrir gradualmente ao longo de um período de semanas

Muitas destas etapas dependem do passaporte corona. Ele já é usado em cabeleireiros e estúdios de tatuagem, mas não em lojas, e será obrigatório em cinemas, teatros e academias. Quem não cumprir a nova regra corre o risco de ser multado.

Como funciona

  • O passe funciona com um aplicativo de celular chamado MinSundhed (MinhaSaúde), vinculado ao sistema de identificação pessoal da Dinamarca
  • Todos os residentes têm um número exclusivo, chamado CPR, e um cartão de saúde amarelo com um código de barras trazendo seus detalhes de identificação
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O coronapas mostra exames mais recentes e detalhes sobre vacinação

  • O cartão é escaneado quando você faz um teste em um centro do governo e sua amostra é associada a ele
  • Provedores privados digitalizam seu cartão ou anotam seu CPR – você recebe uma mensagem de texto com um link para o resultado
  • Você se conecta ao aplicativo e acessa registros de saúde digitais
  • Você apresenta seu telefone para entrar em locais públicos e privados, enquanto equipes verificam sua validade junto com um documento de identificação
  • Certificados em papel também são aceitos e crianças estão isentas. Um aplicativo mais avançado deve substituir o MyHealth no próximo mês.

‘Faz a gente se sentir mais seguro’

Zoológicos e parques temáticos foram os primeiros a lidar com os passaportes corona na Dinamarca. O zoológico de Copenhagen atualmente está repleto de famílias, e quem visita quase pode esquecer que ainda existe uma pandemia.

Uma longa fila se forma do lado de fora e a equipe de entrada verifica os telefones dos visitantes. “Tivemos que estabelecer esses novos pontos de controle”, disse o porta-voz Jacob Munkholm Hoeck. “Colocamos muito dinheiro nisso. Essa é a desvantagem. Mas está funcionando perfeitamente.”

“Isso faz você se sentir mais seguro”, diz um dos pais na fila.

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Multidões começam a voltar ao Zoológico de Copenhague

“Acho que isso é parte de como a vida será agora”, disse uma mãe chamada Portia. “Temos que aceitar para manter a taxa de infecção baixa.”

Outro pai, Christian, disse à BBC que estava cético. “Não acho que realmente precisamos disso.”

Gitte Alsing conseguiu reabrir seu salão de beleza no dia 6 de abril e espera que os coronapas evitem qualquer fechamento futuro.

Nos primeiros dias, ela disse, houve muita espera porque o alto volume de pessoas resultou em atrasos no manejo do aplicativo.

Mas usar os passaportes desde então tem sido fácil e os clientes não parecem se importar. “Eles estão felizes por cortar o cabelo”, diz Alsing.

“Estou vacinada. Só preciso encontrar meu passe no telefone e mostrá-lo”, disse Mette Bache. “Nós precisamos começar de novo. Acho que está tudo bem.”

Outro cliente, Klavs Gregersen, desdenhou da exigência de um teste negativo. “Nós em nossa família fazemos testes toda semana. Acho que muitas pessoas fazem isso. Vão fazer de qualquer maneira.”

Testagem na população

Dezenas de novas instalações de testagem surgiram e os dinamarqueses estão sendo incentivados a fazer testes gratuitos uma ou duas vezes por semana.

A Dinamarca tem a maior taxa de testes per capita do mundo.

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Fila para testes em Copenhagen

“Somos 5,8 milhões aqui na Dinamarca”, disse Kirstine Vestergaard-Nielsen, vice-chefe dos Serviços Médicos de Emergência de Copenhagen.

“Podemos testar mais de meio milhão por dia.”Cerca de um milhão de dinamarqueses, quase um quinto da população, receberam sua primeira dose de vacina.

Crédito, EPA

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Primeira ministra Mette Frederiksen visitou centro de vacinação dinamarquês

Contudo, como em outros países europeus, dificuldades de abastecimento atrasaram o início da campanha de vacinação e, na semana passada, autoridades de saúde dinamarquesas suspenderam totalmente a vacina Oxford-AstraZeneca, devido a um risco muito pequeno de vacinados apresentarem coágulos sanguíneos.

A Dinamarca agora pretende vacinar todos os adultos até o início de agosto, portanto, um forte regime de testes é crucial para que os passaportes sejam eficazes.

‘Policiamento’ do passaporte corona

Com coronapas, clientes poderão permanecer dentro e fora de restaurantes, bares e cafés da Dinamarca. Museus, bibliotecas e galerias de arte também podem abrir suas portas.

Os torcedores de futebol com coronapas podem assistir aos jogos sentados em blocos separados de 500 pessoas.

“Eu simplesmente não acho que deva ser responsabilidade dos estabelecimentos fazer isso”, reclama David Biffani, enquanto se prepara para abrir seu restaurante em um bairro descolado de Copenhague.

Para ele, a triagem de clientes é um fardo injusto para as empresas.

A indústria como um todo apoia a reabertura, mas tem reservas. Entre as preocupações estão possíveis falhas técnicas, desconforto com o “policiamento” dos clientes e temores de que visitantes mais espontâneos acabem optando por ficar longe do comércio.

O que os dinamarqueses acham do passe?

Tem havido, no entanto, um forte apoio político à medida.

Nove dos 10 partidos apoiaram o plano de reabertura e grupos empresariais, como a Confederação da Indústria Dinamarquesa, também endossam o lançamento de passaportes corona.

“É uma ferramenta extraordinária, em uma situação extraordinária”, disse o presidente-executivo Lars Sandahl Soerensen. “A alternativa no momento é não reabrir. É uma forma de sair dessa crise de maneira eficiente. E é temporária.”

No ano passado, o público dinamarquês apoiou amplamente as medidas do coronavírus. Mas alguns acham que o movimento mais recente é um passo grande demais.

Crédito, Reuters

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Centenas de pessoas protestaram contra as restrições no início deste mês

Uma petição para vetar passaportes de vacinas recebeu mais de 40.000 assinaturas. Seu criador argumentou que essas ferramentas eram antiéticas e causavam divisão para a sociedade.

Recentemente, centenas participaram de um protesto realizado por um grupo anti-lockdown.

No entanto, apesar da desconfiança de alguns, uma pesquisa recente sugeriu que 67% dos dinamarqueses acham que o passaporte é uma boa ideia enquanto apenas 16% se opõem a ele.

‘Todos podem ter o passaporte’

O discurso tem sido menos sobre ética e mais sobre aspectos práticos.

A ampla disponibilidade de testes, uma confiança da população nas autoridades e uma cultura de samsfundssind (espírito de comunidade) podem explicar por que tem havido pouca oposição ao coronapas.

“Os dinamarqueses não estão tão preocupados com o uso indevido de informações”, diz Michael Bang Petersen, professor de ciência política da Universidade Aarhus.

“Todos podem ter o passaporte. Ele é visto como uma forma de nos proteger e voltarmos a um estilo de vida mais normal.”

Vários países estão explorando suas próprias versões de passaportes para vacinas.

Ainda não há data para o fim do uso do coronapas na Dinamarca, e dentro de algumas semanas parlamentares deverão debater seu futuro.

Enquanto a União Europeia prepara seu certificado digital “verde” a tempo para as férias de verão (que acontecem durante os meses de inverno brasileiro), vários outros modelos estão sendo desenvolvidos em toda a Europa.

Muitos estarão de olho em como o passe dinamarquês funcionará.

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Fonte: BBC