Jovem é denunciado por suspeita de morte de capoeirista brasileiro em Londres; outro se entrega à polícia

Iderval Silva em LondresDireito de imagem Arquivo pessoal
Image caption Capoeirista brasileiro foi atacado por grupo e não sobreviveu à agressão

Um adolescente de 16 anos foi denunciado pelo assassinato do capoeirista brasileiro Iderval Silva, de 46 anos, em Londres, e comparecerá a uma audiência em um tribunal londrino nesta sexta-feira.

O rapaz, cujo nome não pode ser divulgado por causa de sua idade, havia sido detido nesta quarta, 29, pela polícia Metropolitana de Londres. A polícia não forneceu mais detalhes.

No Reino Unido, a pena mínima prevista por homicídio doloso cometido por jovens menores de 18 anos é de 12 anos. Se condenado, o jovem não terá a possibilidade de pedir liberdade condicional durante seu período preso. Quando deixar a prisão, será supervisionado pelo resto de sua vida.

Na quinta-feira, um homem de 19 anos foi detido sob suspeita de coautoria do mesmo crime após ter se entregado à polícia. Um terceiro rapaz de 16 anos havia sido detido no dia do crime, mas foi liberado pela polícia com a obrigação de responder às investigações no começo de junho.

Iderval era um instrutor de capoeira que, para complementar a renda, trabalhava como entregador de um aplicativo de entrega de comida. Ele foi atacado na tarde de sábado (25) ao se aproximar de um grupo de jovens que aparentemente tentava furtar sua moto em um estacionamento próximo a estabelecimentos comerciais. O ataque aconteceu em um bairro no sul de Londres, para onde Iderval tinha se mudado em março.

Natural de Presidente Prudente, interior de São Paulo, o capoeirista havia deixado o Brasil em 2000, tendo vivido a maior parte do tempo em Portugal. Deixou um filho de 24 anos. Ele vivia em Londres desde março e fazia bicos entregando comida para o Uber.

O ataque

Na tarde de sábado, 25, Iderval estacionou sua moto em uma praça no bairro de Battersea com vários estabelecimentos comerciais para comer em um restaurante brasileiro. Motoboys brasileiros – há uma grande comunidade deles em Londres – costumam parar no estabelecimento Rice and Beans para comer pratos feitos.

Image caption Brasileiro estava comendo em restaurante brasileiro em bairro no sul de Londres antes de ser atacado por grupo de jovens

Battersea, bairro na margem sul do rio Tâmisa, contrasta mansões milionárias que dão para um dos maiores parques de Londres, casas com moradores da classe média e amplos conjuntos residenciais, em que vivem comunidade menos abastadas.

Esse pequeno centro comercial onde Iderval havia ido comer fica ao lado de um grande estacionamento de um supermercado da região, onde, segundo Barham Hammad, de 27 anos, se vê grupos de jovens andando de bicicleta e vendendo drogas com frequência. Hammad é dono de uma barbearia ali, e contou à BBC News Brasil a ter presenciado parte do ataque a Iderval.

“Ouvi muita gritaria. Quando saí, vi seu corpo no chão e um grupo de ao menos 10 jovens correndo, fugindo”, afirma ele, uma das pessoas que ligaram para a polícia e para a ambulância naquele dia. “Vejo eles por aqui todos os dias, praticamente. Jamais esperaria que eles pudessem matar alguém. É muito inesperado.”

Em nota, a polícia Metropolitana de Londres afirmou que o grupo fugiu do local antes de a polícia chegar, às 16h32 daquele sábado. A moto não foi roubada. A polícia falou com a vizinhança e recolheu vídeos de câmeras dos estabelecimentos comerciais próximos à cena do crime.

Funcionários do restaurante brasileiro não quiseram falar com a BBC News Brasil. Na tarde desta quinta (30), alguns motoboys brasileiros almoçavam ali, suas motos estacionadas onde a de Iderval estava dias antes. No local do crime, há flores em homenagem ao capoeirista morto.

“Para a gente, que trabalha de moto, a vida é difícil. Já trabalhei entregando comida, mas o roubo é muito grande, não faço isso mais”, diz o paranaense Vinicius Klehm, de 23 anos, que havia feito uma parada no restaurante brasileiro. Hoje, trabalha fazendo entregas para um laboratório.

Um dono de uma lavanderia próxima do local do crime que não quis ser identificado e que também diz ver os jovens com frequência na região, conta que agora sente medo. Ele lembra outro assassinato que ocorreu em outubro e que assustou os moradores da região.

Ian Tomlin, também de 46 anos, foi espancado com um taco de baseball após confrontar uma dupla por estar vendendo drogas em frente ao seu apartamento. Dois homens, um de 48 anos, e outro de 46, foram condenados nesta sexta, 31, para cumprir 21 e 19 anos na prisão, respectivamente.

Direito de imagem Fred Alvez/Divulgação
Image caption Amigos dizem que Iderval era positivo e calmo; na foto, de julho de 2018, ele estava em Frankfurt, na Alemanha

‘Contramestre Bugrão’

O capoeirista, natural de Presidente Prudente, interior de São Paulo, deixou o Brasil em 2000. Foi viver com a mulher e o filho em Portugal. Há dois anos, se mudou para o Reino Unido com o objetivo de expandir a associação de capoeira que mantinha em Portugal. Morou no interior da Inglaterra e, em março, se mudou para Londres, a capital.

Conhecido como contramestre Bugrão, Iderval é descrito por amigos como uma pessoa pacífica e tranquila, que gostava de ensinar capoeira e era querido pelos alunos.

Em Portugal, trabalhou como segurança e deu aulas de capoeira e forró. Viajava frequentemente pela Europa, convidado para dar aulas de capoeira em países como Espanha, Alemanha e Finlândia.

Image caption Moto estava estacionada em praça com estabelecimentos comerciais e restaurante brasileiro, do lado de grande estacionamento

Há cerca de dois anos, Iderval se mudou para o Reino Unido com a intenção de ampliar seu projeto de capoeira. Morou durante um período na cidade King’s Lynn, a 170 km de Londres e em março se mudou para a capital. Vivia em Croydon, subúrbio no sul de Londres.

Iderval e o amigo André Luiz Maciel, também capoeirista, pretendiam abrir montar no Reino Unido uma associação de capoeira a que os dois tinham em Portugal. “Tivemos bastante dificuldades em ter espaço. Viemos com essa intenção. Pensamos: não tem programas para adolescentes na rua, não tem basquete, vôlei, judô. A ideia era oferecer a capoeira.”

Ele diz que os dois, por não terem “sucesso financeiro ainda” e para “pagar as contas”, começaram a entregar comida via Uber. Um grupo de brasileiros, muitos deles entregadores de Uber e outros aplicativos em Londres, fez um protesto com buzinaços após o ataque. Agora, planejam mais um protesto para este domingo, 2.

Maciel afirma que testemunhou o momento do ataque. “Alguém subiu na moto dele e eu pensei que fosse algum amigo nosso. Em questão de segundos, teve uma luta. No meio da luta estavam os meninos do bairro”, afirma.

Para o assistente operacional e instrutor de capoeira português André Dias, de 31 anos, que o conheceu em um grupo de capoeira em Portugal, ele foi uma pessoa “que deu muito apoio psicológico e incentivo” aos alunos de capoeira, “ensinou muito do sentido da arte e da cultura” e “era uma pessoa muito positiva e serena”. “Temos muito o que agradecer a ele.”

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Fonte: BBC