Matteo Salvini: quem é o político italiano linha-dura, midiático e muito popular, que é só elogios a Bolsonaro

Salvini participa de coletiva de imprensa, com plano de fundo estampado com marcas de veículos de imprensaDireito de imagem AFP
Image caption Jornalistas são considerados adversários pelo governo atual da Itália

Em dezembro, na turística piazza del Popolo, no coração de Roma, o ministro do Interior Matteo Salvini foi a estrela de um comício organizado pelo seu partido – a Liga, de extrema-direita – para celebrar os primeiros seis meses do governo formado com o movimento populista 5 Estrelas.

Num grande palco armado na praça, que estava cheia, Salvini encerrou o evento – naquele dia transmitido ao vivo no Facebook, Instagram, Twitter e YouTube, um ineditismo na política italiana – celebrando os principais temas de sua agenda: críticas à imigração e à globalização, o direito de ter arma em casa para a legítima defesa, a defesa da família tradicional e dos valores cristãos.

Não foi à toa que para receber o fugitivo Cesare Battisti, no último dia 14, Salvini dirigiu efusivos agradecimentos ao presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL). Além das afinidades políticas, os dois, que se aproximaram a partir de setembro, durante a campanha eleitoral no Brasil, têm semelhanças na maneira de se comunicar.

Na chegada de Battisti – condenado por assassinatos na Itália nos anos 70 e que passou as décadas seguintes em outros países, como o Brasil, antes de ser preso e deportado na Bolívia –, Salvini roubou a cena com sua imagem de linha-dura.

Presente no aeroporto usando um jaqueta da polícia (ao lado do ministro da Justiça, Alfonso Bonafede), deu inúmeras declarações e entrevistas, a primeira ainda na pista. Ele se encontrou com familiares de uma das vítimas de Battisti e se referiu a ele como “delinquente” e “assassino” que passará o “resto dos seus dias na cadeia”.

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Image caption Salvini e o ministro da Justiça, Alfonso Bonafede, deram entrevista coletiva na chegada de Battisti à Itália

A imprensa italiana foi unânime na crítica ao “show” protagonizado pelo ministro do Interior, comparado a um xerife durão – quando Battisti fugiu da Itália, em 1981, Salvini tinha oito anos.

Inspirado em Donald Trump e com apreço a nomes como o presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, o político deixou de ser em dois anos o líder de um partido de extrema-direita, identificado especialmente com o Norte da Itália, para se transformar em uma liderança nacional, bem-avaliado inclusive no Sul, região historicamente menos desenvolvida.

Além da habilidade em captar os anseios e medos do italiano médio, há por trás de seu êxito uma bem-sucedida estratégia de comunicação.

Image caption Comunicação do ministro italiano segue conduta sem intermediários tradicionais como a imprensa

Conexões

Um dos principais expoentes da direita nacionalista e populista em expansão na Europa, Matteo Salvini foi eleito senador em março passado, no pleito nacional. As últimas pesquisas mostram que ele é o político mais bem avaliado do país – cerca de 32% de aprovação, mesmo índice da Liga.

Em permanente conflito com a União Europeia (ele já defendeu no passado a saída da Itália do euro), ele se tornou um dos vice-premiês do governo formado em junho. Desde então, aproximou a Itália de países como Hungria e Polônia. Seu objetivo neste ano é ajudar a extrema-direita europeia a conquistar a maioria dos assentos no Parlamento Europeu, na eleição de maio.

A aliança, que conta com políticos como a francesa Marine Le Pen, vem sendo chamada informalmente de “Grupo de Visegrado”, referência à cidade húngara que sediou o primeiro encontro dos partidos conservadores.

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Image caption Salvini se inspirou em Trump para virar uma liderança nacional

O grupo tem o apoio de Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e um dos simpatizantes de Bolsonaro no exterior. Bannon fundou uma organização – batizada de The Movement, sediada na Bélgica – dedicada a impulsionar a onda conservadora no continente. O primeiro teste será exatamente a eleição do Parlamento Europeu.

Considerado o premiê de fato do governo italiano, Salvini costuma ser o porta-voz nas polêmicas e nos ataques contra os adversários, seja no plano interno (a esquerda, os intelectuais, a imprensa) ou externo – o primeiro-ministro Giuseppe Conte, um discreto advogado, quase sempre é ofuscado pelo furor mediático do aliado.

A mais recente controvérsia é com a França. O ministro do Interior e seu colega Luigi di Maio, do Movimento 5 Estrelas e chefe do Ministério do Trabalho, culparam recentemente a colonização francesa pela pobreza na África, o que reflete, segundo eles, no aumento do número de imigrantes africanos na Europa – em especial na Itália, que fechou seus portos para barcos de ONGs que resgatam náufragos no Mediterrâneo.

Em resposta, o presidente francês, Emmanuel Macron, convocou a embaixadora do país em Roma nesta semana, num sinal claro de insatisfação.

A França também virou alvo de críticas por dar asilo a iltalianos que cometeram atos de terrorismo – de direita e esquerda – condenados por crimes entre os anos 1970 e 80, como Cesare Battisti. Nesta semana, Salvini postou uma montagem em que aparece ao lado de Jair Bolsonaro para cobrar Macron. Reproduzindo a frase do brasileiro de que o Brasil “não dará mais abrigo a criminosos”, o italiano provocou: “A Itália espera uma declaração idêntica por parte de Macron”.

Poder nas redes

Parte do seu sucesso se deve à reconhecida habilidade de comunicação. Nascido em Milão em 1973 numa família de classe média, filho de um diretor de uma empresa privada e de uma dona de casa, Matteo Salvini estudou história e ciência política na sua cidade natal, mas não concluiu nenhum dos cursos. Na época, teve o primeiro e único emprego, numa rede de fast-food.

Ex-comunista, ele se filiou à Liga Norte (como à época se chamava o partido) no início dos anos 1990. Aos 20 anos, em 93, foi eleito vereador em Milão e nunca mais deixou a política – apesar de assumir a imagem de alguém antissistema.

Além de passar pela Câmara dos Deputados e pelo Parlamento Europeu, ele também já atuou como jornalista, trabalhando numa rádio e num jornal ligados à Liga. Ele já disse em entrevistas, orgulhoso, que ainda tem o seu registro profissional, e contou que no passado sonhou ser repórter esportivo para cobrir futebol.

Salvini hoje é um crítico ferrenho do jornalismo, que considera um inimigo do governo, embora apareça com frequência em debates na TV ou em programas de auditório.

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Image caption Matteo Salvini foi um dos que dominaram os engajamentos no Facebook na Itália em 2018, segundo Universidade de Pisa

Desde 2013, quando se tornou o principal nome do seu partido, ele cercou-se de uma equipe (formada por cerca de 30 pessoas) que o ajudou a decolar nacionalmente – à época, ele não tinha mais de 10% dos votos nacionais.

“Ele não era o político mais representativo da Itália nos últimos dois anos, mas agora é porque soube organizar a própria comunicação de modo influente e eficiente”, afirma Gianpietro Mazzoleni, professor de comunicação política da Universidade de Milão.

Em 2018, segundo pesquisa do projeto MidiaLab, da Universidade de Pisa, Matteo Salvini e Luigi Di Maio (adversários nas eleições, mas depois parceiros na formação do governo) dominaram os engajamentos no Facebook com mais de 7,8 milhões de compartilhamentos e interações cada um.

Tudo entra nos perfis do político nas redes: lives improvisadas, declarações oficiais, provocações à esquerda e aos críticos, sua vida de torcedor do Milan e fotos do cotidiano – inclusive das refeições, quando exalta a culinária e os produtos italianos como os melhores do mundo.

Image caption Ministro compartilha com frequência momentos de seu cotidiano pessoal e de agenda política nas redes

A estratégia já o levou a postar foto comendo pão com nutella no café da manhã – Bolsonaro, em tática parecida, apareceu devorando um pão com leite condensado. Até o fim do namoro do ministro com uma apresentadora de TV foi explorado. A separação foi anunciada pela ex-namorada no Instagram com uma foto dos dois na cama – ele, aparentemente, estava nu.

Assim como o brasileiro, o político italiano também é conhecido pelas declarações criticadas como racistas. Ele já apareceu cantando uma música ofensiva aos napolitanos (em 2017 seu partido retirou o Norte do nome e foi rebatizado apenas como Liga) e sugeriu certa vez que os milaneses tivessem assento preferencial no transporte público contra a presença de imigrantes.

‘Filósofo-digital’

“Salvini criou um carisma muito particular e aprendeu a se vender de forma simpática, próximo do povo e com uma comunicação direta e envolvente. Sua popularidade vem daí”, acrescenta Gianpietro Mazzoleni.

Seu objetivo, ressalta Mazzoleni, é usar as redes como “arma de penetração de massas”, repetindo o modelo já conhecido de Donald Trump de desintermediação da mídia tradicional.

O guru de comunicação de Salvini, lotado no Ministério do Interior, é Luca Morisi, que se apresenta como “filósofo-digital”. Ele é um dos responsáveis pelo software La Bestia, desenvolvido para captar os assuntos em alta na rede e a reação dos usuários a eles. Procurado, ele não quis ser entrevistado.

Segundo a assessoria do Ministério do Interior, Morisi o auxilia na estratégia, mas a maior parte do material publicado é definido pelo próprio político.

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Image caption Salvani “tem a capacidade de transformar suas interações em algo pop”, diz socióloga

“Ele sabe personalizar a comunicação e tem uma capacidade de ser simpático, de transformar as interações em algo pop”, acrescenta Roberta Bracciale, socióloga da mídia que dirige na Universidade de Pisa o MidiaLab, laboratório que analisa e a acompanha a política nas redes sociais.

Ela reconhece a competência do ministro em relacionar o mundo online ao off-line, explorando até os símbolos historicamente relacionados à esquerda.

Meses atrás, Salvini e a francesa Marine Le Pen fizeram uma reunião dentro de um sindicato em Roma para discutir as eleições europeias.

O ministro também cita com frequência personagens como Martin Luther King, ícone do movimento negro americano, mencionado no comício da Piazza del Poppolo, em dezembro, diante de centenas de apoiadores que exaltavam os valores cristãos e a política de seu partido contra a imigração.

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Fonte: BBC