O alpinista que completou a ‘1ª subida 100% vegana’ da história do Everest

Kuntal Joisher no pico do EverestDireito de imagem Kuntal Joisher
Image caption Kuntal Joisher completou a ‘1ª subida 100% vegana’ do Everest no dia 23 de maio de 2019

Em 2015, Kuntal Joisher teve certeza de que iria morrer.

Um terremoto havia provocado uma avalanche que atingiu o acampamento base do Everest. Joisher estava preso ao lado de outros alpinistas.

“Aquela noite, quando fui dormir, revisei minha vida inteira”, ele lembra.

A tragédia matou 17 pessoas e feriu mais 60.

Joisher, de 39 anos, sobreviveu, mas rapidamente se deu conta de uma coisa: “Se você tem quaisquer sonhos ou paixões, o melhor momento para cumpri-los é agora. Não amanhã, não o dia seguinte, não em 60 anos quando você tiver todo o tempo do mundo e dinheiro guardado. Agora”.

Quatro anos depois, ele orgulhosamente declarou ter cumprido a primeira subida “100% vegana ao Monte Everest”.

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Image caption Centenas de pessoas tentam chegar ao topo do Everest todos os anos

Joisher se descreve como um alpinista vegano que mudou sua vida para realizar um sonho.

“Eu queria provar para o mundo que não precisamos comer ou usar animais para obtermos êxito nos maiores sonhos das nossas vidas, incluindo subir as mais altas e difíceis montanhas”, ele disse à BBC em uma entrevista por e-mail.

De vegetariano para vegano

O alpinista se tornou vegano há 16 anos, enquanto estudava em Los Angeles, nos Estados Unidos.

“Um dos amigos que moravam comigo na universidade me mostrou os horrores das indústrias de laticínios e couro. Como vegetariano, sempre achei que estivesse cuidando do mundo animal. Mas me dei conta que estava contribuindo para o aumento da exploração, então mudei meu estilo de vida.”

Mas a ideia de escalar a montanha mais alta do mundo não tinha lhe ocorrido ainda. Ele se mudou de volta para a Índia e começou sua carreira como engenheiro de TI.

Em 2009, quando estava de férias nos Himalaias, decidiu que escalaria o Everest. “Era uma ideia louca na época. Eu prometi a mim mesmo que ou escalaria como um vegano, ou não escalaria.”

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Image caption Kuntal was able to get a synthetic suit with feather-free insulation

Na época, ele pesava 110 quilos, e se deu conta que precisaria de treinamento físico intenso para realizar seu sonho. Então, começou uma rotina de treinamento baseada em resistência cardiovascular e treinamento funcional e de força de alta intensidade.

Joisher diz que as pessoas a seu redor pensavam que seria impossível para ele alcançar o nível necessário para um ambiente tão desafiador. Mas ele não achou difícil.

“Nunca tive problemas para formar massa muscular magra em uma dieta vegana. Meu foco é comer uma variedade de frutas, legumes e grãos misturados com pequenas doses de nozes e sementes ao longo do dia para obter proteína suficiente.”

Ele trabalhou suas habilidades de alpinismo com um curso na Patagônia chilena e completou uma série de expedições antes do grande desafio.

Sua primeira tentativa de escalar o Everest, em 2014, falhou por causa de um desastre natural. Um avalanche em 2015 acabou com suas chances novamente.

“Depois disso, várias pessoas tentavam me convencer a desistir, dizendo que a montanha não me queria lá. Outros até disseram que eu não era capaz. Mas não dei ouvidos.”

Ele fez sua terceira tentativa em maio de 2016.

Ele adaptava a comida vegana local para suprir sua necessidade calórica diária. Com o aumento da altitude, a necessidade calórica aumenta. “Durante uma expedição, desde que a comida seja vegana, não me importo se é saudável. Eu como porque preciso das calorias”, explica.

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Image caption A photograph showing a long tailback this season went viral on the internet

Joisher chegou até o cume.

Ficou feliz, mas ainda não estava satisfeito. Embora tivesse completado o desafio fazendo uma dieta vegana, se sentiu culpado por usar roupas com materiais de origem animal.

Ele usou roupas feitas de penas de ganso para aguentar temperaturas tão baixas quanto -50ºC e luvas com partes de couro.

Sua próxima missão seria cumprir uma escalada 100% vegana.

Subida 100% vegana

Kuntal conseguiu alternativas para itens feitos de couro, seda e lã. Mas o casaco feito de penas de ganso foi difícil de subsituir.

Ele entrou em contato com diversas fábricas pedindo um casaco sintético para sua expedição, mas não conseguiu respostas.

“Decidi construir meu próprio casaco usando microfibra sintética que cria isolamento térmico. Mas me dei conta que o produto final seria tão grande e pesado que não seria prático para escalar uma montanha.”

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Image caption Kuntal disse que ele escolheu esse estilo de vida como um ativismo pelos direitos animais

Sua procura por uma alternativa vegana continuou até 2018, quando ele se deparou com a solução de uma marca italiana para isolamento térmico sem penas. Kuntal convenceu a fábrica a fazer um casaco sintético para ele antes de sua expedição ao monte Lhotse, a quarta montanha mais alta do mundo, próxima ao Everest.

Deu tudo certo, e Kuntal escalou 8.848m com seu novo casaco livre de materiais com origem animal.

“Foi uma das expedições mais difíceis da minha vida. Mas minha maior alegria foi escalar sem usar um casaco com penas de ganso ou couro.”

Missão final

Agora, neste mês, ele usou o mesmo casaco para chegar ao topo do Everest mais uma vez.

“Escolhi o lado Norte (lado chinês) pelo seu clima notório – muito vento e muito frio. Também é difícil escalar dentro da zona de morte, acima de 8.000 metros.”

Pode-se chegar ao topo do Everest – na fronteira entre o Nepal e a China – pelo lado nepalês também.

Mas essa foi uma temporada perigosa. Ao menos 11 pessoas foram registradas como mortas ou desaparecidas.

O tempo ruim atrasou todo mundo. No lado tibetano (chinês), Kuntal esperava por uma janela de tempo bom para escalar até o topo – de 22 a 24 de maio.

E finalmente aconteceu.

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Image caption Kuntal é vegano há 16 anos

Nas primeiras horas do dia 23 de maio, ele chegou ao topo do Everest.

Estava acompanhado de Mingma Tenzi Sherpa. Sherpas são guias experientes que preparam a rota, colocam cordas e carregam mantimentos e oxigênio para alpinistas estrangeiros.

“Com isso, acredito que completamos o que podemos chamar de primeira subida 100% vegana ao Everest sem congelamentos ou retiradas. Foi a coisa mais desafiadora que eu já fiz. Estou feliz que minha comida e meu equipamento veganos tenham resistido tanto ao longo do caminho.”

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Fonte: BBC