“Restaurantes de chef costumam ser técnicos, frios, quase chatos ou muito chatos. (…) Chefs querem seu aplauso, não sua satisfação. E aí vêm aqueles insuportáveis menus degustação com 16 pratos.”
O autor da declaração acima é Rogério Fasano, o homem por trás dos restaurantes e hotéis que levam seu sobrenome. A paulada nos chefs está em um artigo que ele escreveu para o “Corriere”, publicação trimestral do grupo, distribuída a um seleto mailing de clientes e formadores de opinião.
Fasano escreveu em defesa da própria categoria, o “restaurateur”. Trata-se do dono de restaurante que toca o negócio com paixão, metendo o bedelho em tudo e cortando as asinhas dos chefs egocêntricos.
Está claro que Fasano puxa a brasa para a sua sardinha. É mais do que evidente que ele também quer o seu aplauso. Mas o texto toca em um ponto pertinente, raramente abordado porque incômodo para quem trabalha com gastronomia. Deveríamos encher tanto assim a bola dos chefs?
Vivemos tempos insólitos, em que cozinheiros são personalidades midiáticas e as fotos de comida substituíram a pornografia tradicional. A mitificação chega ao cúmulo de incluir a culinária no panteão das artes.
Alimento é algo que você engole por um buraco e descarta por outro. Não existe nada mais mundano. E isso não é demérito algum: a comida, tal qual o sexo, proporciona alguns dos melhores momentos da nossa ridícula existência. Talvez alguém da Brasileirinhas já tenha elevado o sexo ao patamar das belas artes, mas eu ainda não vi essa fita.
Existem chefs e chefs, o chef bacana e o chef pentelho, o chef prima-dona e o chef sensato. Alguns chefs aprendem a ser “restaurateurs” geniais. Não dá para colocar todos no mesmo balaio, porém é possível identificar um padrão.
No restaurante em que o dono também é o chef, o cardápio costuma ser o eixo da operação; quando o chef é funcionário de um gestor hábil, cozinha e serviço têm pesos semelhantes.
Ninguém vai a um restaurante só para comer. O encosto da cadeira, o volume da música, a temperatura do ar-condicionado, a diplomacia do maître, o ritmo do atendimento: cada detalhe conta para um programa delícia ou uma roubada titânica.
Restaurantes de chefs podem descambar para a tirania, como a imposição de menus intermináveis e enfadonhos. Ou pratos que você mal reconhece como alimento, tamanho o esforço artístico empregado. Ou ainda a proibição de mudanças mínimas na obra do chef, como a exclusão de um ingrediente.
Isso, nas palavras de Fasano, é quase chato ou muito chato. Eu acho insuportável.
Se você puser uma beca, der um trato na juba, for ao Fasano e pedir arroz com ovo, é bem possível que lhe sirvam arroz com ovo. Será o arroz com ovo mais caro da sua vida, mas assim se joga o jogo. Cliente quer, cliente leva, cliente paga, e a roda gira.
(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook e do Twitter.)
Fonte: Folha de S.Paulo