A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, anunciou que o país deve banir a venda e recolher armas semiautomáticas e fuzis, depois que um atirador matou 50 pessoas em duas mesquitas na cidade de Christchurch, na sexta-feira.
“O que a Nova Zelândia experimentou aqui foi a violência trazida contra nós por alguém que cresceu e aprendeu sua ideologia em outro lugar. Se quisermos garantir globalmente que somos um mundo seguro e tolerante e inclusivo, não podemos pensar sobre isso em termos de fronteiras”, afirmou ela em entrevista à BBC, uma de suas primeiras após o atentado no dia 15.
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Ardern refutou o argumento de que o aumento da imigração alimenta o racismo – o atirador havia deixado um manifesto racista e tinha inscrições relativas ao tema em suas armas.
Ela também defendeu o patamar recorde atingido pela Nova Zelândia no acolhimento de refugiados: “Somos um país acolhedor. Rejeito totalmente a ideia (de xenofobia) tentando de alguma forma garantir que tenhamos um sistema que cuide daqueles que escolhem chamar a Nova Zelândia de lar”.
A primeira-ministra falou também da responsabilidade de “eliminar (essa ideologia racista) de onde ela estiver e garantir que nunca criemos um ambiente onde ela possa florescer”.
Ardern defendeu que não se dê holofotes a quem comete esse tipo de ataque – ela já anunciou publicamente que nunca repetirá o nome do atirador. “Um de seus objetivos foi que ele buscou notoriedade e nós negaremos isso completamente”, disse à BBC.
Mas a principal mudança em curso patrocinada pela primeira-ministra passa pela adoção de restrições ao acesso a armamento semiautomáticos e fuzis.
Proposta desarmamentista vai ao Parlamento
Segundo a premiê, o projeto desarmamentista deve ser analisado pelos parlamentares em abril.
“Nossa história mudou para sempre. Agora, nossas leis também vão (mudar). Estamos anunciando hoje uma ação em nome de todos os neozelandeses para fortalecer nossas leis sobre armas e tornar nosso país um lugar mais seguro.”
O líder do partido de oposição National Party, Simon Bridges, apoiou a proposta.
Caso a proposta seja aprovada, os donos serão indenizados ao entregarem esses armamentos ao governo. A medida deve custar o equivalente a R$ 500 milhões. “É o preço a ser pago para garantir a segurança de nossos habitantes”, disse Ardern ao anunciar a proposta.
Nesse cenário, quem for flagrado com um armamento banido pode ser multado em até R$ 10 mil e ser condenado a três anos de prisão.
“Acredito que a grande maioria dos proprietários de armas legalizadas na Nova Zelândia entenderá que esses movimentos são do interesse nacional e adotarão essas mudanças.”
Como ocorreu na reforma desarmamentista feita pela Austrália em 1996, deve haver exceções para categorias como forças de segurança e fazendeiros que precisam de armas para controle de predadores.
“Manter o sentimento de união nacional após um ataque como esse é um desafio bastante diferente (na trajetória da primeira-ministra), mas Ardern já criou a plataforma de confiança na qual ela pode responder com mudanças significativas”, analisa Hywel Griffith, correspondente da BBC News.
Quais são as regras atuais de posse de armas na Nova Zelândia?
A idade mínima para possuir uma arma legalmente na Nova Zelândia é 16 anos – ou 18, no caso de armas semiautomáticas de estilo militar.
Qualquer um acima dessas idades e que seja considerado capaz pela polícia pode possuir uma arma de fogo.
Todos os donos de armas precisam de uma licença, mas a maioria das armas individuais não necessita de registro. A Nova Zelândia é um dos poucos países a seguir essas regras.
Para possuir uma arma legalmente, os interessados devem passar por uma checagem de antecedentes criminais e do histórico de saúde. Fatores como saúde mental, vícios e violência doméstica são considerados na avaliação.
Uma vez que a licença é concedida, o cidadão pode comprar quantas armas quiser.
Embora a maioria das armas não precise ser registrada, quem quer possuir armas semiautomáticas em estilo militar, pistolas ou outros armamentos controlados deve fazer um pedido especial à polícia.
Por causa disso, as autoridades dizem não saber ao certo quantas armas legais existem no país, pois a maioria não está registrada.
Em junho de 2018, havia 246.952 licenças de armas ativas, o que incluía as de comerciantes e colecionadores.
No ano anterior, dentre as 43.509 pessoas que pediram licenças para armas, 43.321 conseguiram.
Até os ataques nas mesquitas, o pior massacre da história da Nova Zelândia havia ocorrido em 1990 na pequena cidade de Aramoana, quando 13 pessoas foram mortas.
Aquele massacre provocou uma mudança na lei de armas de 1983, a principal legislação sobre o uso e posse de armas. Foram, então, adotadas restrições à posse de armas semiautomáticas em estilo militar.
Análise: O momento é propício para mudanças
Por Phil Mercer, em Christchurch (Nova Zelândia)
A Nova Zelândia tentou – sem sucesso – reformar suas leis sobre armas diversas vezes nas últimas duas décadas, mas o momento para a mudança agora é avassalador. Os donos serão forçados a entregar armas de fogo proibidas e serão indenizados, mas aqueles que resistirem poderão ser processados.
Um grande obstáculo para as autoridades é que ninguém sabe quantos fuzis e armas semiautomáticas de estilo militar estão por aí. A Associação de Polícia da Nova Zelândia disse que também ser necessário registrar todas as armas e seus donos.
Isso pode acontecer na próxima rodada de emendas prometidas pela primeira-ministra, que se concentrará em licenciamento e registro. Ela tem amplo apoio popular após as atrocidades em Christchurch.
Mais cedo, os deputados na capital, Wellington, receberam uma petição com mais de 65.000 assinaturas exigindo leis mais duras. Alguns proprietários de armas não estão felizes, insistindo que os procedimentos de avaliação já eram suficientemente rigorosos. Eles estão, no entanto, nadando contra a maré.
O que aconteceu ao acusado do ataque?
Preso após os ataques transmitidos ao vivo no Facebook, o extremista australiano Brenton Tarrant, autodeclarado supremacista branco, responderá pela acusação de homicídio.
O jornal The New Zealand Herald informou ele foi transferido para uma prisão de segurança máxima em Auckland, onde está isolado, sem receber visitas nem ter acesso a jornais, televisão e rádio.
Levado ao tribunal, o homem de 28 anos não negou as acusações. Seu advogado, indicado pelo Estado, disse que o suspeito não queria seus serviços e indicou que representaria a si mesmo.
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Fonte: BBC