Pegar uma barraca e uma mochila e sair para acampar muitas vezes é uma ideia associada às aventuras cheias de “perrengues”, destinadas apenas às almas mais jovens. Pois este pensamento se tornou lenda.
Existem, hoje, no Brasil, mais de 3.000 campings espalhados por todos os estados, que oferecem estrutura necessária para que um viajante não viva dias semelhantes aos dos participantes do reality “No Limite”.
A procura por esse tipo de experiência, mais barata e acessível que a hospedagem em pousadas ou hotéis, vem conquistando mais adeptos no país, principalmente depois do início da pandemia do novo coronavírus. O ambiente aberto, aliado ao distanciamento entre as barracas, aumentou a procura por estabelecimentos de camping, segundo a Anacamp (Associação Nacional de Campistas).
A sensação de maior segurança em termos de saúde que os acampamentos oferecem tem também o aval da ciência. Segundo levantamento feito pelo instituto americano Texas Medical Association, acampar é uma atividade que oferece baixos riscos de transmissão da Covid-19.
“Melhoramos em vários aspectos. Hoje, você vê o empresário do setor investindo mais na infraestrutura para atrair públicos diversos. Na minha opinião, é uma tendência que veio para ficar, mas só saberemos depois que passar esse período da pandemia. A maioria das pessoas que conheci neste período quer continuar acampando”, diz a presidente da Anacamp, Nilva Rios.
É o caso da representante comercial Fernanda Bispo, 40. Moradora da cidade de Guarulhos, ela decidiu voltar a acampar em 2020, depois de nove anos sem botar os pés em uma barraca. Mas Fernanda não queria se aventurar sozinha.
Criou, então, o grupo “mulheres acampando”, que reúne hoje mais de 13 mil participantes do gênero feminino nas redes sociais.
“As mulheres estão se descobrindo para o mundo do campismo. Muitas acamparam há muito tempo, se aposentaram e agora querem voltar. A pandemia reacendeu essa chama. Outras estão começando agora. E a idade não impede que isso aconteça. Nosso maior público tem entre 40 e 45 anos, mas contamos com idosos e jovens também”, explica.
A idealizadora do grupo entende que as mulheres têm receio de acampar por motivos de segurança, mas, segundo ela, a estrutura oferecida pelos campings melhora o cenário.
“Nunca tive problema em relação a isso. Alguns campings têm seguranças no local ou os donos e funcionários ficam circulando. Nunca estamos 100% seguras, mas me sinto amparada dentro de um camping”, diz.
O aumento da procura fez com que alguns estabelecimentos mudassem suas estruturas, se adaptando ao “novo normal” e focados em captar um público diverso. Foi o que fez o empresário Mauro Moreira, 57, dono do Porangaba Camping, em Boiçucanga, no litoral norte de São Paulo.
Há 30 anos no ramo, o proprietário reformou os banheiros do camping para aumentar a área de ventilação cruzada, além de ampliar o sistema de monitoramento por câmeras, para fortalecer a segurança interna.
Na cozinha comunitária, Moreira determinou rodízio entre os usuários e, no refeitório, colocou as mesas distante umas das outras. Máscara e álcool em gel são obrigatórios nestes ambientes.
Como não foi possível adaptar a sala de televisão, ela permanece fechada. “Não fez diferença. As pessoas estão cansadas de ficar dentro de casa, por isso a sala era o local menos solicitado aqui no camping. Os campistas querem contato com a natureza”, ressalta.
Além da vida ao ar livre, os campistas buscam também estadas confortáveis e sem perrengues. A estrutura do local é um dos principais requisitos em sites especializados.
O representante comercial Thiago Lelis Muniz Cardoso, 41, e a mulher, Raquel Cardoso, 38, há sete anos administram o “Por Aí de Barraca”, site que reúne dicas e locais seguros para acampamento.
Segundo o casal, 90% das buscas são por locais seguros e com estrutura adequada.
“A gente só vê crescer as procuras, principalmente por famílias. Antigamente era mais para os jovens fazerem bagunça. Agora, o campismo em família vem se estruturando”, informa Thiago Cardoso.
“As pessoas estão investindo em boas barracas e equipamentos. O home office durante a pandemia também possibilitou que as pessoas possam viajar trabalhando. Por isso, hoje é muito comum camping com internet.”
Sobre os preços, ele ressalta que variam, mas, de uma maneira geral, são mais acessíveis que hotéis e pousadas, indo de R$ 20 a R$ 75 por diária.
Cardoso explica, ainda, que, além dos valores e da estrutura oferecidas pelo camping, os campistas se interessam também pela cultura de acampamento, comum na maioria dos estabelecimentos.
“O que marca, de maneira geral, é que o campista está pré-disposto a compartilhar o que ele tiver. Quando você acorda no camping e sai da sua barraca, já escuta um bom dia e alguém vai te oferecer um café, mesmo não te conhecendo. As pessoas vão de coração aberto e baixam a guarda”, resume.
Vencedor do Oscar de melhor filme em 2021, “Nomadland” mostra na prática essa cultura. No enredo, uma mulher na casa dos 60 anos se aventura viajando pelos EUA em seu trailer. Suas histórias se desenrolam em acampamentos onde ela se relaciona com outros campistas.
Foi exatamente esse costume que levou o gestor ambiental Leonardo Furlan Braga, de 24 anos, a se aventurar em campings pelo Brasil. Morador de Ubatuba, ele acampou pela primeira vez em 2014, com os amigos da faculdade.
O então estudante se apaixonou pelo ambiente de um camping e nunca mais parou.
“Eu acampo porque me encantei com os valores de uma viagem como essa. Valores como a simplicidade, naturalidade, você estar perto e presente na natureza, o respeito coletivo entre outros. Quando você acampa, você compartilha alguns lugares. Existe esse respeito coletivo, que muitas vezes se perde no dia a dia no dia”, relata.
O jovem já se aventurou em acampamentos direto na natureza, mas, de maneira geral, prioriza a estrutura oferecida pelos estabelecimentos.
Braga diz que procura também locais que ofereçam atividades que possibilitam uma convivência maior com outros campistas, como práticas de yoga, meditação e trilhas em grupo.
O próximo, adianta, será uma viagem sozinho em cima de uma bicicleta. No estilo conhecido como “bikepacking”, ele viajará por 18 dias, passando por 65 praias do litoral paulista e acampando em cada uma das cidades.
Fonte: Folha de S.Paulo